Baixa
prioridade para ensino profissional em relação
ao universitário produz novo gargalo para a expansão
da indústria
Não é só coincidência temporal
o que aproxima notícias em aparência tão
díspares quanto a falha no suprimento de gás
natural e a carência de 117 mil trabalhadores qualificados
projetada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) para 2007. Um nexo mais sutil e preocupante reúne
as más novas, e mais uma vez sua origem parece estar
em políticas públicas equivocadas. No caso,
uma negligência perene com o ensino técnico.
Com o preço do petróleo na vizinhança
de US$ 100 por barril, o setor atravessa fase de atividade
frenética. A Petrobras, como qualquer empresa do ramo,
enfrenta dificuldade em adquirir equipamentos ou contratar
serviços e mão-de-obra para crescer no ritmo
do mercado.
Um dos efeitos dessa limitação é o descumprimento
das metas de aumento da produção de gás,
hoje pelo menos 12,5% inferior à projetada, segundo
noticiou o jornal "Valor Econômico" (e 3,4%
aquém da verificada em 2006). A descoberta de reservas
gigantescas na bacia de Santos, se confirmadas, só
torna a deficiência mais aguda.
Tal carência encontra-se corroborada de modo cabal no
estudo do Ipea, "Demanda e Perfil dos Trabalhadores Formais
no Brasil em 2007". O setor que enfrenta maior escassez
de profissionais experientes e qualificados é precisamente
o da indústria química e petroquímica:
déficit de mais de 25 mil trabalhadores. Em seguida
nesse anti-ranking vêm outros sete setores de transformação,
a começar por produtos de transporte e mecânicos.
Só essas três modalidades industriais totalizam
70 mil vagas que não podem ser preenchidas -um outro
tipo de apagão, técnico-profissional.
Essa mão-de-obra indisponível, porém,
não é sempre de nível universitário,
revela a pesquisa do Ipea. Na média, as vagas não-preenchidas
dão preferência a profissionais com 9,3 anos
de estudo. Alguns ramos mais tradicionais, como o de alimentos,
se satisfazem com ensino fundamental completo; outros, como
comunicação e telecomunicação,
exigem o equivalente ao nível médio, sobretudo
os raros egressos de cursos técnicos.
Embora o número de matrículas no ensino profissional
se encontre em expansão (61% entre 2001 e 2006), ele
ainda é pífio: 744.690 alunos no país,
segundo o Censo Escolar do Ministério da Educação.
No ensino superior, havia em 2006 (de acordo com a Pnad, Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios) 5.495.277 matriculados,
clara expressão da ênfase na expansão
do ensino superior, que triplicou em uma década.
O governo federal parece ter detectado a necessidade de imprimir
ritmo similar à educação profissional.
Anunciou há menos de dois meses o plano de investir
R$ 3,5 bilhões para abrir 200 novos Cefets (Centros
Federais de Educação Tecnológica) até
2010, além dos 140 que existem hoje.
Não basta. A demanda por esses profissionais tecnicamente
qualificados parte do setor privado, e este precisa participar
mais ativamente do esforço para supri-la. Aí
estão os R$ 10 bilhões anuais do sistema S,
que deveriam ser carreados de modo prioritário para
multiplicar o imprescindível capital humano.
Editorial
Folha de S.Paulo
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