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Para quem passa diariamente pela Avenida Presidente Vargas,
o prédio de número 1997 não chama muito
a atenção. Mas é lá que um projeto
inovador de atendimento à pessoa portadora de deficiência
foi inaugurado em novembro de 2003 pela Prefeitura do Rio
de Janeiro. O Centro Integrado de Atenção à
Pessoa com Deficiência Mestre Candeia (CIAD) é
um espaço dedicado à melhoria da qualidade de
vida do deficiente e sua família, com programas de
reabilitação e inclusão social, preparação
para o mercado de trabalho, educação, esporte
e lazer e outras atividades.
Construindo a integração
Em sua administração anterior, o prefeito
César Maia introduziu o conceito de macrofunção,
buscando uma visão integrada da gestão pública.
No que diz respeito ao deficiente, a integração
significa assistência desde o diagnóstico das
diferentes deficiências, passando pelo processo de tratamento,
educação, preparação e inserção
no mercado de trabalho. Esse trabalho em conjunto é
realizado pelas secretarias de Educação, Saúde,
Trabalho e Renda, Esporte e Lazer e Assistência Social,
que atuam no planejamento, coordenação, execução
e controle dos diversos programas no setor.
A soma de esforços evita, assim, a superposição
ou ausência de serviços, otimiza os recursos
e obtém resultados mais significativos.
Vinculada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Social, a Fundação Municipal Francisco de Paula
(FUNLAR) é a instituição responsável
pela formulação e execução de
programas para o deficiente no município do Rio de
Janeiro. A partir de 2001, a FUNLAR e as cinco secretarias
da área social criaram uma rede com o objetivo de desenvolver
um planejamento único de ações. Em um
primeiro momento, a rede fez um mapeamento das políticas
municipais voltadas para o setor e percebeu que um avanço
significativo no atendimento do deficiente implicaria não
só em integrar ações setoriais, mas concentrá-las
em um mesmo espaço físico, facilitando o acesso
do usuário a uma variedade de serviços de reabilitação
e promoção social.
Um prédio do INSS desativado há anos, construído
para ser um centro de reabilitação profissional,
reunia as características para acolher esse projeto
pela sua localização central e, principalmente,
por sua estrutura, com rampas de acesso, banheiros e elevadores
adaptados etc. Foi assinado um convênio, no qual ficou
estabelecido que o INSS cederia o prédio, passando
a ter um posto de atendimento no local, e o governo municipal
assumiria os custos da reforma.
O Comitê Gestor e o Fórum Permanente Integrador
são as duas instâncias responsáveis pelo
gerenciamento do CIAD. Composto por um representante de cada
secretaria, indicado pelo Secretário da pasta e presente
desde a elaboração do projeto, o Comitê
foi criado ainda na fase de obras para planejar o conjunto
de ações e dar voz a todos na tomada das decisões.
No início, acompanhou a reforma e definiu a divisão
da estrutura física do espaço, atendendo a todos
os envolvidos. Também destacou um administrador para
cuidar da manutenção do prédio e coordenar
a equipe de vigilância, limpeza, recepcionistas e funcionários
que ficam pelos corredores para orientar os usuários.
Hoje, com a criação do Fórum, o Comitê
pode se dedicar, em suas reuniões mensais, a definir
linhas de atuação, seja para aprofundar a participação
das famílias ou para aumentar o escopo de atendimento
do Centro. Além disso, cabe a ele desenvolver formas
de integração; planejar o calendário
de atividades; buscar soluções para conflitos;
fazer o controle financeiro do que é comum às
secretarias, como contas de telefone, gastos com compra de
mobiliário e contratação de pessoal;
decidir sobre questões da infra-estrutura do prédio,
como otimização do espaço, expansões,
etc.
Nas reuniões, estão presentes também
o administrador do prédio e representantes do INSS
e do Fórum, que surgiu da necessidade de se ter um
mecanismo que coordenasse a execução das ações,
uma vez que os integrantes do Comitê não estão
presentes no dia-a-dia do CIAD. Com reuniões semanais,
os coordenadores internos de cada secretaria discutem questões
envolvendo os usuários, como problemas de comportamento,
aproveitamento nos cursos e conflitos familiares. A cada dois
meses, as secretarias fazem um rodízio para indicar
um representante do Fórum no Comitê Gestor.
Muitas vezes é o Fórum, pelo seu envolvimento
na rotina diária do Centro, que define a agenda de
discussões do Comitê. Um exemplo foi a procura
freqüente de mães por atividades para seus filhos
doentes mentais, mesmo não sendo esta a vocação
do CIAD. O Fórum levou essa demanda para o Comitê,
que agora discute a possibilidade de abrir vagas para essa
clientela nas atividades esportivas e oficinas de artesanato.
Em busca da concretização do objetivo maior
do CIAD, que é a integração, o Comitê
desenvolveu o Núcleo Integrado de Atenção
à Família (NIAF) - porta de entrada do Centro,
por onde passam quase 2000 pessoas por dia. Encaminhado por
um outro órgão público ou até
por indicação de um vizinho, todo usuário
que chega ao Centro passa pelo Núcleo, onde é
atendido por assistentes sociais e psicólogos. A equipe
desempenha um papel fundamental para que o atendimento seja
o mais personalizado e abrangente possível, procurando
identificar as carências e necessidades do deficiente,
e, a partir desse levantamento, apresentando os diversos serviços
oferecidos pelo CIAD. Nesse primeiro contato, nem todos estão
abertos às propostas dos assistentes sociais. Muitos
já chegam ao local com um objetivo definido, como a
obtenção de um passe de ônibus ou uma
avaliação audiológica, e a princípio
não se interessam por outro serviço.
É preciso muito diálogo para vencer as eventuais
resistências por parte dos familiares - geralmente a
mãe ou esposa - e dos próprios usuários,
uma vez que é comum trazerem histórias de decepções
com outros serviços públicos. Daí a importância
dessa triagem feita pelo NIAF, que leva ao conhecimento do
público um leque de opções que inclui
atendimento médico voltado para a reabilitação,
como ortóptica, fisioterapia, acompanhamento psicológico,
fonoaudiologia, terapia ocupacional, musicoterapia; fornecimento
de próteses e cadeiras de rodas; cursos de informática,
teatro e dança; atividades de capacitação
para o mercado de trabalho, como a cantina-escola e oficinas
de couro, bijuterias, cerâmica e corte e costura, das
quais as mães são incentivadas a participar.
O próprio CIAD emprega 17 portadores de deficiência
e recentemente assinou um convênio com uma rede de supermercados
para a criação de 200 empregos.
Também cabe aos profissionais do NIAF a missão
de difundir essa filosofia de trabalho entre todos os funcionários
que compõem o quadro do CIAD. Palestras e cursos são
as ferramentas de capacitação utilizadas pelo
Núcleo e, geralmente, tratam de assuntos ou problemas
levantados nos encontros do Comitê e do Fórum,
das quais o NIAF também tem um representante. Sua participação
nessas reuniões é fundamental para integrar
o atendimento e, assim, fechar um ciclo entre coordenação,
funcionários, usuários e familiares. A questão
de como lidar com a sexualidade do adolescente deficiente
mental, por exemplo, foi um tema que gerou controvérsias
entre as diferentes secretarias. Diante disso, foi organizado
um ciclo de debates para encontrar mecanismos de atuação
comuns a toda a equipe do Centro.
Outras formas de integração são encontros,
semanas temáticas, passeios e festas organizados pelo
NIAF, com o intuito de proporcionar momentos de confraternização
e troca de experiências entre as famílias e funcionários.
As atividades do Núcleo, bem como a manutenção
e administração do prédio, são
custeadas pela Prefeitura, fazendo parte da grade orçamentária
da FUNLAR. A facilidade que a concentração de
recursos em uma determinada secretaria trouxe para a gestão
do CIAD é um modelo que foi adotado em outras unidades
de administração municipal.
As secretarias, no entanto, utilizam os próprios recursos
para a compra de material e remuneração dos
profissionais, que podem vir do quadro de concursados do município,
fornecidos por empresas ou organizações não
governamentais selecionadas por licitação. Com
isso, apesar do Comitê estabelecer as diretrizes de
atuação, cada secretaria tem autonomia para
definir o conjunto de serviços que irá prestar.
Atividades integradas
Em julho de 2004, o CIAD completou um ano de funcionamento,
recebendo mais de 62 mil pessoas, entre deficientes e seus
familiares. Esse número superou as expectativas do
projeto, embora desde sua inauguração o Centro
não tenha tido qualquer de exposição
nos meios de comunicação.
Para Leda Azevedo, presidente da FUNLAR, a maior conquista
nesse período foi a criação de uma cultura
de cooperação e intercâmbio de experiências
entre as secretarias. Mesmo sendo baseada em uma avaliação
empírica do desempenho do CIAD, já que faltam
recursos para realizar a sistematização do banco
de dados e traduzir em números o resultado dessa experiência
de gestão integrada, o convívio entre as secretarias
mostrou ser mais um fator benéfico do que de conflitos.
Por isso, é do interesse dos coordenadores do CIAD
a criação de outros centros, a começar
pela Zona Oeste.
Outro avanço no processo de integração
é o trabalho com equipes interdisciplinares estar começando
a se concretizar, ainda que a troca de informações,
experiências e sugestões entre os profissionais
já se dê no âmbito do Fórum Integrador
e do Comitê Gestor. No atendimento infantil, de 0 a
14 anos, existem atividades de estimulação nas
quais uma equipe, composta por fonoaudiólogo, terapeuta
ocupacional, fisioterapeuta e musicoterapeuta, busca, em conjunto,
o desenvolvimento global das potencialidades daquelas crianças
portadoras de deficiência. Para isso, foi necessário
adaptar salas para acomodar a todos e os resultados têm
sido excelentes.
Findo o período inicial de adaptação
a essa forma inovadora de trabalho, a experiência do
CIAD vem mostrando que integração é um
processo construído diariamente e requer uma concentração
de esforços para garantir que todos os envolvidos se
mantenham motivados a prestar um atendimento verdadeiramente
diferenciado, criando condições necessárias
para o deficiente e sua família atingirem um grau de
autonomia que os conduza à reabilitação
social, principalmente entre as camadas de baixa renda.
GLAUCIA CRUZ
ROSA L.PERALTA
da Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais
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