Necessidade
de trabalhar, falta de interesse pelos estudos, distância
entre a escola e a casa. São esses alguns dos principais
motivos que levaram 65 milhões de brasileiros com mais
de 15 anos a abandonar a escola antes de completar o ensino
fundamental.
É isso o que indica um estudo inédito coordenado
pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação
em parceria com o Instituto Paulo Montenegro (o braço
social do Ibope): o "Mapa das crianças, jovens
e adultos fora da escola".
De acordo com o mapa, apesar dos obstáculos impostos
pela condição social e pela falta de estímulo,
48% dos entrevistados desejam retomar os estudos.
Para Ricardo Henriques, secretário de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério
da Educação, a escola "não é
capaz de acolher com o encanto necessário quem trabalha".
O mapa foi feito a partir de entrevistas realizadas por estudantes
de norte a sul do país e levantou o perfil de milhares
de brasileiros que estão fora da escola: 45% dos entrevistados
têm renda familiar de até um salário mínimo;
54% são afrodescendentes.
"Existe um processo de discriminação educacional
que, no Brasil, está vinculado basicamente à
pobreza e à exclusão social", avalia Pablo
Gentili, do Observatório Latinoamericano de Políticas
Educacionais da Universidade do Estado do Rio (UERJ).
Entre os entrevistados, 39% abandonaram a escola entre a 1ª
e a 4ª séries do ensino fundamental, 29% o fizeram
entre a 5ª e a 8ª. No total, 87% já sentaram
em um banco escolar, ou seja, tiveram acesso à escola,
mas isso não foi o suficiente para mantê-los
ali.
"Durante muito tempo, o abandono escolar era colocado
sob responsabilidade do próprio aluno. Hoje, sabemos
que essa é uma falência do modelo educacional,
com métodos pedagógicos inadequados. Mas é
também uma falência da própria família,
que está na base da pirâmide social", diz
a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), da Comissão
de Educação da Câmara.
"Há fatores externos à escola que se somam
a outros internos e levam ao abandono da escola. É
a história do ovo e da galinha: o sujeito tem baixa
remuneração porque tem escolaridade baixa e,
por viver em condições sociais de exclusão,
com pais pouco remunerados, freqüenta uma escola ruim.
Um causa o outro, e vice-versa", explica a educadora
Maria Malta, da Fundação Carlos Chagas.
"A escola foi pensada para uma comunidade ideal e uma
família ideal, que não é a das periferias
urbanas ou de parte do mundo rural", avalia Henriques.
Efeito cascata
Um resultado do mapa que chamou a atenção de
especialistas foi o fato de famílias de núcleo
mais numeroso terem maior número de pessoas fora da
escola. Todos os membros da família haviam parado de
estudar antes do tempo em 37% daquelas com quatro pessoas,
em 43% das compostas por cinco pessoas e em 70% das famílias
com seis ou mais pessoas.
"É como se um puxasse o outro. Um efeito cascata
que poderia muito bem ser revertido: se um voltar a estudar,
todos poderiam voltar", supõe Miriam Abramovay,
pesquisadora da Unesco.
De fato, José Everaldo Farias, 52, é um exemplo
da teoria de Abramovay. Seu filho de oito anos o levou, 33
anos depois de largar os estudos, de volta à escola.
"Ele me questionava muito. Tive de voltar à escola
para buscar as respostas. Estou orgulhoso disso."
FERNANDA MENA
da Folha de S.Paulo
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