Anunciados como promessa de cura para diversas doenças graves, os bancos
privados de cordão umbilical proliferam no país
ao mesmo tempo em que dividem a categoria médica. Para
pais que possam pagar cerca de R$ 4 mil mais anuidade em torno
de R$ 500, as empresas guardam sangue dos cordões umbilicais
de recém-nascidos. Essas células imaturas (células-tronco)
seriam uma fonte, com 0% de chance de rejeição,
de sangue saudável para a criança que, porventura,
venha a ter leucemia, por exemplo. Médicos ligados
a bancos privados brasileiros afirmam que o progresso da medicina
dará outras infinitas utilidades aos cordões.
Pesquisador-chefe do Hospital Saint Louis, em Paris, onde
foi feito o primeiro transplante usando sangue de cordão,
Vanderson Rocha afirma, no entanto, que os bancos privados
vendem uma ilusão.
O especialista, que é professor da Universidade de
Paris e coordenador clínico do Eurocord (registro mundial
público de bancos de células de cordão
umbilical), explica que menos de uma em cada 20 mil pessoas
pode vir a precisar de suas próprias células,
''mesmo assim, sem saber os resultados''.
"Os bancos privados aproveitam pesquisas para incentivar
as mães a guardarem sangue do cordão para um
uso futuro, porém existe mais interesse econômico
do que científico", afirma Rocha, contando que
na Europa, a legislação é rigorosa com
os bancos privados. Na França são proibidos.
A única forma de combater os interesses econômicos,
diz o especialista, é ''informar as mães da
inutilidade, à luz dos conhecimentos atuais, de congelar
o sangue de cordão para o futuro''. Para Rocha, se
em alguns anos de pesquisas ficar comprovada a eficácia
do uso do sangue de cordão autólogo - do próprio
doente -, os governos terão que assumir a responsabilidade
de oferecer às pessoas essa possibilidade terapêutica.
Hoje, o serviço é feito gratuitamente no Brasil
pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) só a
famílias com casos conhecidos de leucemia.
O diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea
(Cemo), do Inca, responsável também pela administração
do único banco público de cordão umbilical
do Brasil, Luiz Fernando Bouzas, defende a iniciativa de pais
que usam os bancos privados. Bouzas também é
consultor técnico do banco privado CordVida, em São
Paulo, a 30 dias de ser inaugurado.
O diretor do Cemo afirma que o governo não teria como
bancar o armazenamento de células-tronco de toda a
população, senão, iria à falência.
Adverte, no entanto: ''As pessoas que se preocupam com o futuro
devem guardar''.
"O banco público não deve guardar o cordão
de todo mundo. Não acho justo, porque levaria o país
à falência. Não faz sentido fazer isso
com recursos públicos", acredita.
Bouzas reconhece que é importante não fazer
''propaganda enganosa'', como dizer que as células
de cordão poderão curar qualquer doença.
Calcula, no entanto, que de 1% a 3% das crianças podem,
no futuro, vir a precisar de suas próprias células-tronco.
Fundador da unidade de transplantes de medula óssea
da Associação de Combate ao Câncer de
Goiás, o hematologista Cesar Santana estranhou, em
visita ao CordVida, o cargo de Bouzas no banco.
"Foi dito a mim que ele era diretor. Pelo menos é
uma pessoa de gabarito, tecnicamente bem formada. Mostraram-me
a sua sala. Tinha até retrato dele. Achei estranho
porque Bouzas também tem cargo no Inca. Ele é
um grande conhecedor do assunto, mas acho que o público
não deve se misturar com o privado".
Tomando como base o Estatuto do Funcionário Público,
a assessoria de comunicação do Inca informa
que Bouzas não é sócio do banco, mas
consultor técnico, função que não
traria impedimento legal para seu cargo no Centro de Transplante
de Medula Óssea, do Inca. A lei 8112 (a do Estatuto)
diz que é proibido ''participar de gerência ou
administração de empresa privada, sociedade
civil, salvo a participação nos conselhos de
administração e fiscal de empresas ou entidades
em que a União detenha, direta ou indiretamente, participação
do capital social, sendo-lhe vedado exercer o comércio,
exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário''.
Independentemente do cargo ocupado por Bouzas no CordVida,
o médico Cesar Santana afirma que as indicações
para o congelamento privado de células de cordão
umbilical são ainda muito restritas.
"A ciência médica está evoluindo.
Então, se vende muita esperança", acredita.
O banco privado Cryopraxis, com sede em São Paulo
e Rio de Janeiro, aposta no ''progresso científico''.
Já tem 2 mil unidades de cordão umbilical armazenadas
desde 2001, quando foi inaugurado, vinculado à UFRJ.
A Cryopraxis tem uma estrutura técnica que permite
estocar 20 mil amostras.
As células-tronco, informa o grupo, ''possuem excepcional
potencial de tratamento para várias doenças,
com capacidade regenerativa e reconstrutiva. É importante
lembrar que esta é a única oportunidade de realizar
a coleta de um material que, normalmente, é descartado
após o nascimento do bebê''.
As células-tronco presentes no cordão podem
apenas ser utilizadas para doenças ligadas ao sangue:
leucemias, anemias graves, algumas doenças genéticas,
erros inatos do metabolismo, imunodeficiências congênicas
e linfomas ou neuroblastomas. Pesquisas em andamento já
conseguiram resultados positivos na transformação
dessas células em neurônio, músculo cardíaco
e célula hepática. O estímulo para a
transformação das células, no entanto,
é uma técnica ainda não dominada.
As informações são
do Jornal do Brasil.
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