É
quase um roteiro cinematográfico a trajetória
das abelhas no Brasil. Trazidas pelos colonizadores e pelos
jesuítas no século 18, as abelhas européias
foram as primeiras a chegar ao país. Ao longo de todo
o século, foram feitas encomendas de colméias
de Portugal, Alemanha e Itália, principalmente para
os estados das regiões Sul e Sudeste. Era o início
da apicultura no Brasil. Em 1956, abelhas africanas ou assassinas
foram importadas por cientistas brasileiros, interessados
em aumentar a produção de mel. No entanto, por
causa de um acidente em São Paulo (1957), alguns enxames
escaparam das colméias e as abelhas assassinas se espalharam
pelas florestas brasileiras. Diferentemente do que previam
os pesquisadores, esta história não teve um
final aterrorizador. Pelo contrário, as abelhas africanizadas,
misturadas com as de origem européia, se adaptaram
muito bem ao clima tropical, além de serem mais resistentes
a doenças. Graças a elas, hoje o Brasil é
um dos maiores exportadores de mel do mundo. Segundo o Ministério
do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio
Exterior, exportamos 21 mil toneladas de mel em 2004. Não
foram elaborados, no entanto, dados de comparação
com outros países, mas o número é expressivo.
Entre as regiões de maior produção,
vem merecendo destaque nos últimos anos o Nordeste,
mais precisamente o Semi-árido. Os seus moradores têm
superado a estiagem com a venda de mel . Na época da
seca (de julho a janeiro), as abelhas colhem o néctar
(matéria-prima do mel) das flores que brotam na caatinga,
principalmente do cajueiro e da leucema. Mas o mel mais apreciado
é retirado de janeiro a março, quando as flores
mais procuradas pelas abelhas são de marmeleiro e de
angico. Nas outras épocas do ano, mulungos, bamburral
(erva-canudo) e vassoura (ou vassourinha de botão)
fornecem o néctar para as abelhas. Segundo dados da
Federação de Apicultura do Piauí (Feapi),
só do Piauí saem cinco mil toneladas de mel
por ano. O estado está entre um dos três maiores
produtores, disputando com Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
O município de Picos é o destaque do Piauí,
com 2.500 toneladas por ano.
Os números no Nordeste só não são
mais expressivos porque muitos apicultores ainda sofrem na
mão dos atravessadores, que compram o produto a preços
baixíssimos e o revendem. Para solucionar este problema,
a Fundação Banco do Brasil está investindo
dois milhões de reais em um projeto que vai incentivar
a cadeia produtiva do mel nos estados do Piauí, Ceará,
Pernambuco e Maranhão. Com a parceria da Fundação
Unitrabalho, Agência de Desenvolvimento Solidário
da CUT, Entidade Intereclesial Holandesa de Apoio aos Países
em Desenvolvimento (ICCO) e Serviço Brasileiro de Apoio
às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae de Picos), a Fundação
pretende criar um empreendimento econômico solidário
e sustentável na região do Semi-árido
Nordestino. Caberá ao grupo holandês cuidar da
abertura de mercados na Europa. O projeto envolve ainda a
participação de quatro cooperativas apícolas,
duas em Picos, uma em Horizonte (CE) e a outra em Trindade
(PE). Para centralizar toda a produção de mel
destas regiões, será construída, até
o fim do ano, uma unidade industrial de processamento do mel,
que deverá funcionar também em forma de cooperativa.
“Os produtores deixarão de ser meros geradores
de matéria-prima para serem proprietários das
diversas etapas da cadeia produtiva, ou seja, das colméias,
das casas de mel e da central de processamento e envasamento
do mel, realizando inclusive a comercialização
do mesmo já industrializado”, explicou Jorge
Bertoldi, responsável pela cadeia produtiva da apicultura
na Fundação Banco do Brasil.
Para iniciar o projeto, a Fundação realiza
até o fim do mês uma assembléia que vai
definir o local onde será construída a central
de processamento e a data do começo das obras. Antes
disso, será realizada a capacitação dos
produtores cadastrados nas quatro cooperativas: são
173 apicultores ativos e outros 204 inativos (que estão
cadastrados, mas não comercializam seu mel por meio
das cooperativas). Juntos, os cooperativados ativos produzem
anualmente 1.018 toneladas. Com a capacitação
e a criação da central, eles devem aumentar
sua produção, além de criar um padrão
para o seu produto, como explica Antônio Leopoldino,
presidente da primeira cooperativa do Piauí, criada
em 1985, a Cooperativa Apícola da Micro-região
de Picos (Campil) e presidente também da Federação
de Apicultores do Piauí: “Com a ajuda da Fundação,
poderemos ter a nossa marca. O que acontece no momento é
que o nosso mel é vendido e exportado a granel para
a Europa e só lá ele recebe uma embalagem.”
A vida de Antônio Leopoldino, que ninguém conhece
por Antônio e sim por Sitonho, prova que a apicultura
pode ser uma excelente fonte de geração de trabalho
e renda e de mudança para os habitantes do Semi-árido,
tão maltratado pela seca. Quando começou a criar
abelhas, Sitonho tinha apenas 50 colméias. Hoje, tem
1.200. Bem-humorado, ele fala com orgulho do crescimento do
seu negócio e da boa adaptação das abelhas
à região. “Elas adoram o calor, parece
que nasceram na beira da praia”, brinca.
Segundo Sitonho, o quilo de mel de abelha é comercializado
a R$ 2,40. A renda do produtor depende da quantidade de colméias
que ele possui e da produtividade de suas abelhas. Calculando-se
pela produção anual da cooperativa liderada
por Sitonho, a Campil, de 500 toneladas/ano, chegamos ao número
de quase 600 quilos de mel por mês para cada apicultor,
o que representaria uma renda média de R$ 1.400,00.
Segundo ele, uma das vantagens da apicultura é exigir
pouca verba para se iniciar, cerca de R$ 5 mil, além
de ser uma atividade auto-sustentável.
“O apicultor é um ecologista nato, porque as
abelhas polinizam as flores. Além disso, estamos ajudando
a reflorestar as regiões que foram devastadas, plantando
principalmente a aroeira, que está em extinção,
mas que fornece milhares de flores para as abelhas”,
explica Sitonho.
Ao que parece, há um final feliz previsto para o roteiro
da cadeia produtiva do mel no Nordeste. Feliz para apicultores
e para o meio ambiente.
DANIELLE CHEVRAND
do site da Fundação Banco do Brasil
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