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Sandra
Scivoletto
Fatores de risco para o início do uso de drogas:
Analisando-se os fatores internos do adolescente que podem
facilitar o uso de álcool e drogas, merecem destaque
a insatisfação e não realização
em suas atividades, a insegurança, os sintomas depressivos,
ou seja, a sensação de não pertencer
a nada ou a ninguém. Os jovens, como qualquer pessoa
de outra faixa etária, precisam sentir que são
bons em alguma atividade, sendo que este destaque representará
a identidade e a sua função dentro do grupo
– a sensação de pertencimento. O adolescente
que não consegue se destacar nos esportes, estudos,
relacionamentos sociais, dentre outros, pode buscar nas drogas
a sua identificação. Em outras palavras, a sensação
inicial do “não pertencimento” é
resolvida: o jovem passa a pertencer ao mundo das drogas e
adquire uma função neste mundo.
Os sintomas depressivos na adolescência e as crises
de angústia que, em muitos casos, fazem parte da adolescência
normal, são também fatores de risco. O jovem
que está triste, desanimado ou mesmo ansioso e angustiado
irá buscar atividades ou coisas que o ajudem a melhorar.
As drogas aparecem novamente como o “remédio”
para este mal. Em outras palavras, estes adolescentes vão
usar as drogas como uma tentativa de se auto-medicar. Quanto
mais impulsivos e menos tolerantes às frustrações,
maior será este risco. Segundo estudo desenvolvido
com adolescentes dependentes, aqueles que apresentavam sintomas
depressivos evoluíram mais rápido da experimentação
para o uso regular e também consumiam drogas mais fortes,
como a cocaína, em alguns casos sem o uso anterior
de substâncias mais “leves”, como a maconha.
No tratamento, a depressão é um diagnóstico
diferencial que deve ser pesquisado e tratado, com influência
direta no prognóstico destes jovens.
Consequências do uso de drogas:
O uso de drogas afeta, diretamente, a cognição,
capacidade de julgamento, humor e as relações
interpessoais, ou seja, compromete a inserção
da pessoa em sua comunidade e sua relação com
esta.
A adolescência é a passagem da infância
para a vida adulta e um período crítico na formação
da identidade e desenvolvimento da personalidade. Um dos principais
pontos na formação da identidade é a
“individuação”: reconhecer-se como
um indivíduo único, com um papel e uma função
a desempenhar dentro de uma estrutura maior – família
ou comunidade. Esta, quando completada com sucesso, é
caracterizada pelo auto-controle e auto-estima. Caso este
processo seja interrompido ou distorcido por algum motivo
(doença, violência, privação excessiva,
uso de drogas, por exemplo), a personalidade resultante pode
ser excessivamente dependente de fatores externos, ao invés
dos internos, na determinação de comportamentos
e identidade.
O uso de drogas e álcool na adolescência afeta
o desenvolvimento de funções sociais e o estabelecimento
de relações interpessoais – ou seja, a
capacidade de “pertencimento” citada acima. Os
adolescentes dependentes de drogas e/ou álcool afastam-se
dos outros jovens da mesma faixa etária, assim como
das normas existentes nas atividades rotineiras. Estas atividades,
que são preparatórias para a vida adulta, incluem
namorar, formar laços fortes de amizade e a participação
em grupos e atividades que requerem o desenvolvimento de algumas
habilidades sociais, como cooperação e interdependência.
Neste contexto, o consumo de alguma droga pode alterar a capacidade
de auto-avaliação e o julgamento de seu desempenho
e da resposta do meio. Por exemplo, um jovem inseguro começa
a ter suas atividades sociais e faz uso de cerveja para conversar
com o grupo de amigos ou até para convidar uma garota
para sair. Se ele teve sucesso com esta “receita”,
a tendência será repetir exatamente o mesmo processo
na próxima oportunidade. Em muitos casos, sente-se
extremamente inseguro e prefere não sair a correr o
risco de ter um mau desempenho, caso não possa fazer
uso da substância por algum motivo.
Cria-se, então, um outro tipo de dependência,
diferente da dependência química vista em adultos:
o adolescente passa a depender da substância (pode até
ser cerveja, e independe da quantidade consumida) para desenvolver
suas atividades sociais. Este jovem, com frequência,
passa a estabelecer novos relacionamentos e baseá-los
no consumo de drogas e/ou álcool. Alguns adolescentes
utilizam o álcool e as drogas inicialmente para recreação
e acabam por não desenvolver outras formas de divertimento
ou de descontração. Uma parte deles terá
dificuldades em manter relacionamentos afetivos sem o uso
destas substâncias, dificultando ainda mais o estabelecimento
de laços mais fortes de relacionamento. Quanto mais
cedo se dá o primeiro uso de qualquer substância,
maior será o risco deste processo se desenvolver.
Nesta fase da vida, o jovem começa também a
se voltar para sua escolha profissional e suas vocações.
A ansiedade e desconforto por não saber do que gosta
são desejáveis e necessárias, pois são
elas que impulsionarão o jovem a experimentar novas
atividades, buscando aquela em que mais se realiza. Entretanto,
se o jovem utiliza o álcool ou a maconha para “acalmar
ou diminuir” esta angústia, o processo de escolha
vocacional pode ser retardado ou até interrompido.
Daí a dificuldade que muitos adolescentes usuários
esporádicos de maconha encontram para fazer sua escolha
vocacional.
Infelizmente, as alterações causadas no processo
de maturação dos jovens usuários de drogas
tendem a permanecer como “lacunas” na sua vida
adulta. Os adolescentes que tiveram suas capacidades cognitivas
- como, por exemplo, aquisição de conhecimentos
e capacidade de julgamento e crítica - e de relacionamento
prejudicadas pelo consumo de álcool e/ou drogas possuem
menos estratégias para lidar com fatores estressantes
que aparecem na vida diária. Com isso, o bom desempenho
dos papéis na vida adulta fica comprometido, uma vez
que os eventos estressantes estão relacionados com
as responsabilidades de trabalho e das relações
sociais e interpessoais, dentre outras.
Os adolescentes não estão imunes às consequências
físicas causadas pelo uso de drogas. Entretanto, na
maioria dos casos, os organismos destes jovens são
mais resistentes a estas agressões do que os organismos
de muitos adultos. Desta forma, o que acaba levando o jovem
e a sua família a buscar tratamento são as consequências
sócio-comportamentais, muito mais do que as consequências
físicas. No atendimento de adolescentes dependentes
de drogas, quando iniciavam o tratamento - por volta dos 15
anos - 85% já tinham abandonado os estudos, 64% tinham
praticado roubos e furtos e 47% apresentavam envolvimento
com tráfico de drogas, sendo que apresentavam, em média,
apenas 2,5 anos de tempo de uso de drogas. Com tão
pouco tempo de uso, era esperado que as alterações
físicas não fossem tão evidentes ou marcantes
quanto são para os adultos. É importante destacar
que o envolvimento com furtos havia se iniciado ao redor dos
13 anos, quando estavam começando o uso regular de
maconha e antes da experimentação da cocaína.
Aos 14,5 anos, quando começavam o uso regular de cocaína
e experimentavam “crack”, ocorria o abandono da
escola e o início do tráfico de drogas. Quanto
maior a quantidade de drogas consumidas, ou quanto mais frequente
era este uso, maior era a alteração de comportamento.
Podemos dizer que as alterações de comportamento
são proporcionais à intensidade do uso de drogas
e já se iniciam mesmo nos primeiros estágios
da progressão de consumo, precedendo em muitos casos
a evolução para o consumo de drogas mais pesadas.
Particularidades no tratamento de adolescentes:
O adolescente é um indivíduo em desenvolvimento,
o que implica no reconhecimento de características
únicas desta faixa etária que serão de
grande importância por ocasião da seleção
ou desenvolvimento de modalidades de tratamento para esta
população. É indiscutível a necessidade
de programas de tratamento especialmente desenvolvidos para
faixas etárias mais jovens, uma vez que as necessidades
desta população são diferentes das dos
adultos. Eles parecem estar mais preocupados com fatos presentes
como vida familiar, na escola ou com os amigos do que com
possíveis comprometimentos físicos ou psíquicos
que as drogas possam vir acarretar.
A primeira dificuldade no tratamento de adolescentes é
motivá-los e mostrar esta necessidade. Para muitos
jovens, é difícil aceitar a idéia de
que a droga faz mal, pois é através dela que
se relacionam, ou seja, a droga passa a ser o meio de pertencer
a alguma coisa. Além disso, a droga passa a preencher
suas vidas, além de aliviar angústias e desconfortos
(até mesmo alivia a fome, diminui o cansaço).
Para eles, a droga é a solução para suas
dificuldades, não o problema. Como já ouvi de
um garoto: “para usar drogas estamos sempre rodeados
de pessoas; para parar de usar, estamos sozinhos”.
Uma das principais tarefas no tratamento de adolescentes dependentes
de drogas é a de ajudá-los a encontrar outro
meio de interação com o mundo, uma outra ferramenta
que os permita estabelecer relações e encontrarem
seu papel na comunidade. Um novo papel, de construção,
não apenas forma de fugir do vazio.
Para isso, a abstinência não basta: é
preciso ajuda-lo a retomar seu desenvolvimento normal. A obtenção
da abstinência pode ser vista como uma porta ou ponte
para a recuperação. Esta, por sua vez, requer
que o adolescente faça uma reformulação
em sua identidade, de alguém que precisa de alguma
droga para se divertir, aliviar o desânimo, superar
medos e problemas, enfim, como meio de existir, para uma pessoa
que consiga se divertir com a vida, superar suas dificuldades
e realmente ser alguém sem precisar de drogas. A dificuldade
é que esta identidade é completamente nova.
Ela não pode ser relembrada, mas deve ser construída.
Não se trata de reabilitação, mas sim
de habilitação.
No passado, o abuso de drogas e álcool era visto como
o principal problema e causador de qualquer outra disfunção
que o adolescente apresentasse. Atingindo a abstinência,
todos os outros problemas estariam resolvidos, ainda que pouca
atenção direta e específica tivesse sido
dada a estas questões. Entretanto, os objetivos no
tratamento de adolescentes usuários de drogas e/ou
álcool devem ser muito mais amplos, incluindo a mudança
global no estilo de vida e a oportunidade de pertencer a um
mundo real, não o mundo da droga. A mudança
no estilo de vida inicia-se com a abstinência completa
de qualquer droga, passando pelo desenvolvimento de atitudes,
valores e comportamentos sociabilizantes, assim como o desenvolvimento
de aptidões direcionadas a uma melhora das relações
interpessoais e para a construção de um papel
ou função na comunidade. É o desenvolvimento
deste papel que confere identidade às pessoas, que
é realmente estruturante.
A capacidade de expressão é uma das principais
ferramentas que permitirá que o jovem se insira no
mundo e, a partir deste espaço que começará
a ocupar, se reconheça como indivíduo único
e possa estabelecer relações. Esta cadeia de
relacionamentos e funções é que o manterá
num ciclo virtuoso, não mais vicioso, de construção
e edificação. No momento em que ele se sente
enxergado e pertencente a um mundo, que se sente respeitado
em seu espaço e função, passará
a respeitar o outro. Neste momento, a droga deixa de ser o
meio pelo qual ele se faz existir e passa a ser a ferramenta
de destruição. Agora o jovem é capaz
de perceber que precisa, pode e deve construir! Não
há mais lugar para a droga. Não há razão
para a violência.
Textos complementares:
The
speech evaluation as motivational instrument in the treatment
of chemical dependency in adolescents: a Brazilian experience
O
que adolescentes dependentes químicos acham sua comunicação?
A
infância de adolescentes farmacodependentes
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