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No passado,
a Escola Estadual Presidente Roosevelt, localizada no bairro
da Liberdade, em São Paulo, foi considerada um ícone
da educação. Em seu prédio desenhado
pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha estudou o atual governador
de São Paulo, José Serra. Na década de
70, a instituição atingiu seu auge ao matricular
3,6 mil alunos, ocupando o posto de maior escola pública
do Estado. Com o passar do tempo, ela entrou em decadência
e passou a registrar uma série de problemas envolvendo
a gestão, a qualidade do ensino, a limpeza, o alto
índice de analfabetismo e reprovação,
a evasão de alunos e até a violência.
Situada perto da Favela do Glicério, a quadra da escola
foi várias vezes invadida por garotos de rua que pularam
o muro baixo e obrigaram o professor de educação
física a cancelar a aula.
De um ano para cá, no entanto,
a até então dura rotina dos 1,7 mil alunos do
ensino fundamental e médio da escola começou
a mudar. Melhorias significativas vêm sendo registradas
graças a uma série de ações que
envolvem desde a parte física e pedagógica até
a gestão e o relacionamento com a comunidade. Uma empresa
de limpeza terceirizada foi colocada dentro da escola, reformas
importantes tiveram início e até uma equipe
pedagógica foi contratada para dar suporte aos professores.
Por trás de todas essas transformações
há o investimento pessoal de Ana Maria Diniz, membro
do conselho de administração do Grupo Pão
de Açúcar, coordenadora da Associação
Parceiros da Educação e fundadora da Íntegra,
ONG que realiza investimentos na área social. No final
de 2005, Ana Maria transformou-se numa espécie de madrinha
da escola pública.
Até conseguir efetuar as mudanças
que começam a ser vistas hoje, Ana Maria ficou quase
dois anos de mãos atadas. Motivo: a diretora da escola
na época, posteriormente afastada, era totalmente resistente
às sugestões de melhorias de gestão propostas
pela executiva. Na frente de Ana Maria, ela sinalizava positivamente.
Nas costas, boicotava cada uma de suas idéias. "Era
um programa que dava trabalho aos diretores, que tinham que
elaborar gráficos e dar transparência ao desempenho
dos alunos", recorda Ana Maria.
Hoje, com a nova diretora Damares
Motta Pereira, o relacionamento é aberto e transparente.
Damares elogia o estilo de Ana Maria e diz que ela é
flexível, sabe pedir licença sem passar por
cima das regras da escola e sempre valoriza sua opinião.
No mundo dos negócios, as decisões são
tomadas com mais rapidez. Nas escolas públicas, já
há muito mais burocracia e envolvimento político.
Diante disso, Ana Maria acredita que um dos ingredientes imprescindíveis
para a parceria dar certo é entender o programa público,
respeitar o timing e conquistar a diretora e os professores.
O trabalho é árduo, mas pouco a pouco traz bons
resultados.
O modelo de adoção de
escolas por meio de empresas ou fundações privadas
é uma prática que surgiu no Brasil há
quase duas décadas pelas mãos da Porto Seguro.
Em 1991, Jayme Garfinkel, presidente do conselho de administração
da seguradora e presidente da Associação Crescer
Sempre, estava disposto a construir uma escola. Ao pesquisar
na Secretaria de Educação de São Paulo,
ele descobriu que todas as áreas da cidade estavam
preenchidas com escolas e que o problema não era criar
novos espaços, mas promover melhorias nos já
existentes. Hoje, sua empresa apóia três escolas
estaduais da comunidade de Paraisópolis, zona sul de
São Paulo.
"Entramos com aquilo que o Estado
não faz, como estimular a parte física, a manutenção
e a coordenação de trabalhos dos professores,
via premiações", explica Garfinkel. O sonho
de construir uma escola própria, no entanto, não
foi deixado para trás. Por meio da Associação
Crescer Sempre, ele criou e mantém uma pré-escola.
Por ano, a Porto Seguro investe R$ 4,5 milhões nesses
programas educacionais.
Inspirado no trabalho feito pela empresa,
o governo do Estado de São Paulo lançou, em
2005, o Projeto Empresa Educadora, que incentiva a realização
de ações educacionais entre a Secretaria de
Estado da Educação e o setor privado. "Com
a empresa adotando a escola e auxiliando na sua ampliação
e reestruturação, o Estado pode ater-se a questões
maiores como as pedagógicas", afirma Maria Helena
Guimarães de Castro, secretária de Estado da
Educação.
Apesar da boa vontade de alguns empresários,
ainda são poucos, em âmbito nacional, os casos
de adoção de escolas públicas. A maior
parte das histórias de sucesso concentra-se no Estado
de São Paulo, onde 58 escolas públicas (estaduais
e municipais) já foram adotadas por 30 empresas. Para
este ano, a meta é chegar a 100 escolas e depois atingir
500 em 2010. São Paulo é dona da maior rede
de educação pública do Brasil - são
5,5 mil escolas no total.
A grande impulsionadora dessas adoções
é a Associação Parceiros da Educação,
focada na instituição de acordos entre empresas
e escolas, com o intuito de melhorar a qualidade do ensino
público e do aproveitamento escolar de seus alunos.
Coordenada e idealizada por Jair Ribeiro, presidente da CPM
Braxis, a Parceiros da Educação é focada
em quatro vertentes: infra-estrutura, gestão pedagógica,
gestão efetiva e inserção da escola na
comunidade. Como tem um olhar personalizado em relação
às necessidades de cada escola, a associação
tem obtido bons resultados no dia-a-dia de muitas crianças.
Pelas provas de português e matemática aplicadas
pela Fundação Cesgranrio (organização
especializada em avaliação educacional) na Escola
Estadual Luiz Gonzaga Travassos da Rosa (SP), adotada pela
CPM Braxis, o rendimento escolar melhorou 15% desde sua adoção,
em 2004.
As empresas que se comprometem a adotar
uma escola pública exigem empenho da equipe escolar
para promover mudanças. "Estabelecemos um compromisso
em que a contrapartida da escola deve ser a obtenção
de melhorias reais no aproveitamento dos alunos", afirma
Adriana Pallis, sócia do escritório Machado,
Meyer, Sendacz e Opice, que adotou a Escola Estadual Presidente
Kennedy, de São Paulo, em novembro passado.
Ao invés de pedir uma quadra
esportiva, os alunos solicitaram primeiramente uma biblioteca.
Uma campanha interna realizada no escritório ajudou
a escolher os livros que comporão o acervo, enquanto
uma reforma em uma sala comum vem sendo conduzida para abrigar
a futura biblioteca. Outras mudanças físicas
seguirão na escola, que também passará,
claro, por melhorias na parte pedagógica.
Pouco a pouco, novos empresários
e escolas passam a olhar para a parceria como uma alternativa
importante para a melhoria da qualidade do ensino. O número
de adoções poderia ser maior não fossem
os problemas envolvidos. Mas há empresas que acreditam
que essas iniciativas são bem menos eficientes do que,
por exemplo, investir em programas intensivos de treinamento
de gestores ou professores. Para a gerente de educação
da Microsoft, Ana Teresa Ralston, a questão é
que a adoção de escolas esbarra na falta de
escala.
A Microsoft preferiu investir em treinamentos,
e contabiliza, de 2003 a 2007, 24 mil gestores treinados,
além de 246 mil professores e 232 mil alunos em 13.651
escolas diretamente atingidas pelo seu "Parceiros na
Aprendizagem". O programa foi avaliado positivamente
pela Unesco, que propôs aperfeiçoamentos, como
por exemplo, melhor mapeamento dos locais onde será
implementado e monitoramento mais freqüente do programa
ao longo do percurso. "Mudanças de gestão
política sempre afetam os projetos", afirma Adauto
Cândido Soares, oficial da Unesco envolvido com o programa.
Mas o quadro nacional de adoções
de escolas também poderia ser mais expressivo se houvesse
um envolvimento maior do governo federal, que não tem
um programa de incentivo estruturado para a adoção
de escolas públicas. Procurado pela reportagem, o Ministério
da Educação (MEC) informou que não se
envolve nesse assunto e preferia não comentar.
Segundo especialistas, a falta de
incentivo do governo federal e a necessidade de alto comprometimento
das empresas em um processo de adoção de escola
pública espantam muitos candidatos. Afinal, os contratos
de parceria duram, pelo menos, cinco anos e exigem muito mais
que dinheiro.
O sucesso da parceria também
depende muito do interesse e do apoio dos diretores e professores
das escolas. Muitas vezes eles se sentem ameaçados
pela presença e pelas cobranças de terceiros.
Resultado: não colaboram para a evolução
da parceria e chegam inclusive a sabotar ações
planejadas pelas empresas.
Embora muitas companhias se desdobrem
na elaboração de estratégias, métricas,
programas de bonificação aos professores e outras
ações que visem ajudar efetivamente o aproveitamento
dos alunos, envolver-se no dia-a-dia das escolas públicas
não é tão simples quanto parece. O cenário
atual da educação nacional é preocupante,
principalmente porque o Brasil vive um momento de expansão
da economia e também de carência da mão-de-obra
qualificada.
Mas essa prática, tão
bem vista pelo setor privado, deve ser encarada como uma alternativa
e não como solução única para
o problema da educação. Embora seja favorável
à aproximação da escola com o setor produtivo,
Nelio Bizzo, professor titular da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (USP), diz não
ver como a lógica empresarial de estabelecimento de
metas e contribuição com a escola em função
de resultados poderá contribuir para a melhoria da
educação. Para ele, a aproximação
deverá respeitar a lógica da escola e não
apenas a da empresa.
"Estamos em uma situação
de tal precarização das atividades docentes
que muitos pensam que qualquer forma de ajuda é boa.
Isso não é verdade. Não se pode ver a
escola como um campo de refugiados, que aceita qualquer coisa",
adverte Bizzo. Sua recomendação é que
a escola exerça sua autonomia, trace sua proposta pedagógica
com a participação da comunidade e atue de maneira
articulada com ela. Empresas privadas podem ajudar, desde
que não queiram controlar o projeto pedagógico
da escola.
Maria Alice Setúbal, diretora-presidente
do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação,
Cultura e Ação Comunitária (Cenpec),
diz que a adoção de escolas públicas
por meio de empresas e fundações privadas é
uma importante alternativa de apoio à educação.
No entanto, não é a única e nem a prioritária.
"O grande desafio do Brasil é alcançar
a universalização da qualidade do ensino e não
ter um país com ilhas de excelência", analisa.
Ribeiro acredita que iniciativas globais
e generalizadas são importantes, mas lembra que elas
não dão qualidade ou foco. "Escola não
é como fábrica. Daí a necessidade de
atender às necessidades específicas de cada
uma", diz o executivo que, até 2010, deseja mudar
a estatística de São Paulo e acertar a vida
de 500 mil alunos de 500 escolas.
Françoise
Terzian
Valor Econômico
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