Ex-detento,
ex-usuário de crack e ex-catador de ferro-velho. Morador
de albergues desde agosto de 2002, o desempregado Antônio
Sérgio Rosas do Nascimento, 39, se considera um vitorioso.
Hoje, sua vida promete dar uma guinada. Antes das 6h, ele
deve pular da cama, no albergue São Francisco, sob
o "Minhocão", na chamada baixada do Glicério,
que abriga cerca de 450 moradores de rua, e seguir em direção
ao bairro Ermelino Matarazzo (zona leste).
Na carteira, além do passe de ônibus, o comprovante
de matrícula: Nascimento conseguiu a 23ª vaga
do curso de ciências da natureza (que estuda processos
e conceitos físicos e químicos do ambiente)
da nova unidade da Universidade de São Paulo, a USP
Leste, depois de passar no vestibular. Com uma cicatriz no
canto do olho -diz ele que parte do projétil continua
alojado embaixo da arcada direita-, marca de uma briga com
um ex-comparsa de assaltos, Nascimento fala com desenvoltura.
"Devo ter uns 15 livros e apostilas no albergue, sem
falar nos dois blocos de sulfite que catei no lixo e os quais
uso para escrever. Roupa? Duas calças, seis camisas,
um par de tênis e outro de sapato. O estudo mantém
minha esperança, minha dignidade."
Nascimento foi preso pela primeira vez em 1986 por assalto
a mão armada. Saiu um ano e oito meses depois em regime
semi-aberto. Em 92, voltou para a cadeia, novamente por assalto.
Deixou a prisão em 97, mas foi preso após dois
anos, por furto.
Na cadeia, trocou os livros de Sidney Sheldon, "Sabrina"
e "Bianca" pela conclusão dos ensinos básico
(quando foi preso, havia abandonado a antiga oitava série)
e fundamental. Mas o seu "grande barato" era alfabetizar
os colegas. Solteiro, com os pais vivendo longe de São
Paulo, ele não recebia visita aos domingos na antiga
Casa de Detenção do Carandiru. "Os presos
me apresentavam para filhos, mulheres e mães. "Esse
aí está me ensinando a ler e escrever."
Levantou minha auto-estima."
Em julho de 2002, deixou definitivamente a cadeia. Em liberdade,
fez cursinhos da Poli e da Educafro. "Foi onde aconteceu
o meu processo de ressocialização", explica.
"Principalmente pela relação de respeito
dos professores. Me senti um cidadão."
Num pedaço de papelão, carregava as dúvidas
mais insolúveis. Numa pausa para pensar, ficava decorando,
assimilando, tentando entendê-las. Passava horas estudando
na praça da República e no Anhangabaú,
entre outros pontos do centro. Sempre que possível,
arquitetava paradas nas bibliotecas públicas.
"Quero seguir carreira acadêmica. Adoro dar aulas",
afirma. Ele diz que entrar na USP sempre foi um sonho distante.
"Ainda acho que é uma escola para poucos privilegiados.
Devo ser o único uspiano albergado. Até mesmo
na zona leste."
ROBERTO DE OLIVEIRA
da Revista da Folha
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