Na cidade
de Rosario (Argentina), um grupo de escoteiros decidiu fazer
uma campanha para que, no Natal de 1999, os pais não
dessem brinquedos violentos para os filhos. Os escoteiros
conversaram com os professores nas escolas. Depois, vários
grupos começaram a colar cartazes nas portas das lojas
de brinquedos e a fazer plantão no comércio
para estimular os pais a comprar presentes mais educativos.
A campanha "Jogar Pela Paz" se espalhou para o rádio,
para os bilhetes de ônibus e para mais de 20 cidades
da América Latina e da Europa.
As cidades que foram atingidas pela campanha iniciada em
Rosario participam da Associação Internacional
de Cidades Educadoras (www.edcities.bcn.es), reunião
de municípios que se comprometeram a transformar locais
públicos em espaços educativos para a população,
sem excluir faixa etária ou classe social. A iniciativa
foi lançada na Espanha, em 1990, durante o 1º
Congresso Internacional de Cidades Educadoras.
No começo de abril, a capital paulista foi a 281ª
cidade a assinar o termo de compromisso da associação,
a chamada Carta de Barcelona. Além de São Paulo,
já são oito os municípios brasileiros
que podem trocar experiências com esse enfoque: Alvorada
(RS), Belo Horizonte (MG), Campo Novo do Parecis (MT), Caxias
do Sul (RS), Cuiabá (MS), Pilar (PB), Piracicaba (SP)
e Porto Alegre (RS).
Para ser uma cidade educadora, é preciso ter um governo
eleito democraticamente e o compromisso do prefeito e da Câmara
Municipal de incentivar novos projetos em educação.
Os experimentos mais bem-sucedidos são apresentados
anualmente no Congresso Internacional das Cidades Educadoras,
que, neste ano, acontecerá de 17 a 20 de novembro,
em Gênova (Itália).
A diretora da Rede Latino-Americana de Cidades Educadoras,
a argentina Alicia Cabezudo, 54, explicou para o Sinapse um
pouco mais sobre essa iniciativa.
Sinapse - O que é uma cidade educadora?
Alicia Cabezudo - É aquela que converte o seu
espaço urbano em uma escola. Imagine uma escola sem
paredes e sem teto. Nesse espaço, todos os lugares
são salas de aula: rua, parque, praça, praia,
rio, favela, shopping e também as escolas e as universidades.
Há espaços para a educação formal,
em que se aplicam conhecimentos sistematizados, e a informal,
em que cabe todo tipo de conhecimento. Ela integra esses tipos
de educação, ensinando todos os cidadãos,
do bebê ao avô, por toda a vida.
Sinapse - Como isso funciona na prática?
Alicia - Com projetos do governo local junto com ONGs,
universidades, igrejas ou quem queira se unir. Alguns exemplos:
a educação ambiental, onde a cidade educadora
ensina os cidadãos a não jogar lixo na rua,
a cuidar do ambiente. O orçamento participativo também
é uma estratégia da cidade educadora, onde a
população participa ativamente das decisões
do governo. .
Sinapse - Como transformar shoppings e favelas em
espaços educadores?
Alicia - Todos os lugares podem ser educadores. No
shopping, dá para fazer apresentações
de teatro, de música, de dança. As pessoas param
de comprar por um instante e aprendem algo. A favela é
vista como um espaço feio, mas nela podem ser trabalhados
valores positivos, como a amizade e também a solidariedade.
Sinapse - Qual é, então, a diferença
entre uma cidade educadora e uma cidade que investe em educação?
Alicia - A diferença é que, participando
da associação, o município entra em contato
com outras cidades educadoras. Pode participar de projetos
comuns, visitar uma cidade para estudar os seus programas
ou convidar outro membro para explicar seus projetos. É
uma rede solidária.
Sinapse - Como são desenvolvidos os projetos
comuns entre vários países?
Alicia - Um exemplo é o "Minha Cidade e
o Mundo", um programa em que crianças e professores
de escolas de diferentes países trocam correspondência.
Nós fazemos o contato entre eles. As crianças
são incentivadas a discutir o que têm em comum
com as de outros países e o que é diferente.
Crianças de escolas públicas, que nunca tiveram
contato com o exterior, discutem costumes e tradições.
E, muitas vezes, alunos e professores se visitam. Já
fizemos esse intercâmbio entre Turim (Itália)
e Buenos Aires (Argentina).
Sinapse - Quem é o responsável por coordenar
o trabalho em cada cidade educadora?
Alicia - Primeiro, o prefeito; depois, a Câmara
Municipal. O prefeito nomeia um responsável, que geralmente
é o secretário da Educação. Mas
não precisa ser. Na cidade educadora, todos os secretários
são secretários da Educação. O
secretário de Planejamento deve planejar a cidade com
espaços verdes, com espaços públicos
para pessoas de todas as idades e com acesso para deficientes.
Todos eles, sejam da Saúde ou do Desenvolvimento Social,
devem se preocupar com a educação. E o secretário
da Educação não se preocupa só
com escolas. Deve olhar também para parques, praças
e praias.
Sinapse - Qual é sua avaliação
das cidades educadoras brasileiras?
Alicia - No Brasil, já existem vários
programas de educação cidadã e outros
de preservação do patrimônio arquitetônico,
que também é uma preocupação das
cidades educadoras. Agora, queremos que São Paulo se
torne a coordenadora das cidades educadoras no país
e convide mais participantes.
ADRIANA KÜCHLER
free-lance para a Folha de S.Paulo
|