Não é Rita Lee, como queria Caetano Veloso
em sua "Sampa". Não é nem mesmo o
próprio Caetano. À pergunta "Das pessoas
famosas que você conhece, mesmo que só de ouvir
falar, qual na sua opinião tem mais a cara de São
Paulo", feita pelo Datafolha para moradores da cidade
em novembro e dezembro do ano passado, a maioria respondeu
"não sei".
São Paulo tem cara indecifrável
para 26% dos ouvidos, índice que cresce para quase
um terço das respostas se incluir a parcela dos que
responderam "ninguém" (4%). "É
uma cidade sem memória, que estimula o individualismo,
o salve-se-quem-puder", acredita Miriam Chnaiderman,
psicanalista e documentarista, autora de "Dizem que Sou
Louco" (1994) e "Alma na Mão" (inédito).
A falta de personalidade, se é
que se pode chamar assim, é ainda mais evidente ao
se verificar o resultado de levantamento com moradores de
oito Estados do país mais o Distrito Federal: 36% disseram
não saber e 1% optaram por declarar "ninguém".
Os nominados
Entre os nominados pelos moradores, a cidade começa
a tomar o rosto de alguém polêmico: 12 anos depois
de vencer uma eleição e oito anos após
ocupar seu último cargo público, é Paulo
Maluf a cara de São Paulo para 8% dos ouvidos. Em segundo
lugar vem Silvio Santos, com 5%.
A situação se inverte
nacionalmente. Aí, o apresentador de TV e proprietário
do SBT passa à dianteira, com 9%, deixando o político
paulistano na vice-liderança, com 5%. Mas Maluf volta
ao topo em outras duas questões, que talvez definam
sua relação com a cidade.
Para 21% dos ouvidos em São
Paulo, Maluf é o político que mais ajudou a
piorar a qualidade de vida dos moradores da cidade. Pois para
26% do mesmo universo, é o que mais ajudou a melhorar
a qualidade de vida. Paradoxal? "Isso é Paulo
Maluf, sempre nos extremos", disse à Folha Eduardo
Kugelmas, professor do Departamento de Ciências Políticas
da Universidade de São Paulo.
Sua trajetória política
confirma a polarização. Maluf obteve 4,1 milhões
de votos na última eleição a que concorreu,
a governador do Estado, em 2002, mas não ganha um pleito
desde 1992, quando se elegeu prefeito da cidade -ou seja,
o malufismo continua forte em São Paulo, mas há
tempos não consegue levar mais do que um terço
dos votos.
A pesquisa comprova que seu nome continua
na memória, porém. "Com o fim dos conceitos
de esquerda e direita, só existe agora quem está
no governo e sofre todo o desgaste e quem não está,
que é o caso de Maluf", disse Antônio Flávio
Pierucci, professor do Departamento de Sociologia da USP e
autor do livro "Ciladas da Diferença" (Editora
34, 1999), sobre preconceito, entre outros. "Ele sabe
se beneficiar disso."
Opinião diferente tem o próprio
Paulo Maluf, que não descarta inclusive voltar a concorrer
à prefeitura (leia texto nesta página).
Menos pontos
No quesito personalidade que mais representa a cidade, embora
líder, Maluf perde pontos desde que a pesquisa é
feita entre os moradores: passou de 11% (2000) para 10% (2001)
e os atuais 8%. Já Marta caiu quase à metade,
depois de um salto: de 1% (2000) para 7% (2001, quando assumiu
a prefeitura) para os atuais 4%.
Ainda nesse quesito, nacionalmente
a prefeita de São Paulo empata com Gugu Liberato em
terceiro lugar, com 3% -procurada pela Folha via assessoria
de comunicação, Marta Suplicy preferiu não
comentar os resultados.
A partir daí, não há
mais acordo: Hebe Camargo, colega de Gugu e ambos funcionários
de Silvio, é a quarta personalidade mais representativa
para os moradores de São Paulo (3%), mas se embola
em 5º lugar com outros 16 nomes de diversas procedências
no cômputo nacional (1%).
Ainda assim, se emocionou: "Isso
já é demais para mim", disse a paulista
de Taubaté, de 73 anos, que mora no Morumbi e está
na TV desde a inauguração da primeira emissora
no país, em 1950. "Amo isso aqui, apesar de todos
os problemas que a cidade tem."
É curioso perceber que, tanto
para os moradores de São Paulo quanto para os de fora,
a percepção da cidade passa fortemente pelo
SBT, a emissora criada por Silvio Santos em 1981 no bairro
do Sumaré a partir do espólio da Tupi -são
artistas da empresa 4 das 11 personalidades mais citadas em
São Paulo e três das sete mais lembradas nacionalmente,
com Ratinho completando a lista.
"O resultado da pesquisa sugere
que as pessoas identificam o SBT com São Paulo, como
sugeriria que a Globo é identificada com o Rio se a
localidade da pergunta fosse outra", disse Esther Hamburger,
professora do Departamento de Cinema, Rádio e TV da
ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes) e doutora
pela Universidade de Chicago. "Ou seja, é surpreendente,
mas tem lógica."
Para a crítica de TV da Folha,
não quer dizer que essa seria necessariamente a imagem
que o paulistano tem da cidade se a pergunta não fechasse
no conceito de famosos. "Não se sentem necessariamente
representados por Maluf, Ratinho nem seja quem for."
Nem Caetano nem Rita, para voltar
a "Sampa" -a dupla foi lembrada por apenas 1%, no
caso do músico baiano, e menos que o suficiente para
ser tabulado (1%), no caso da roqueira paulistana.
SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo
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