O gás produzido pela decomposição
das cerca de 7.000 toneladas de lixo despejadas diariamente
no aterro Bandeirantes (zona norte) vai deixar de ser simplesmente
jogado na atmosfera para se transformar em energia suficiente
para abastecer aproximadamente 200 mil pessoas, ou 50 mil
famílias, o equivalente à cidade de Marília,
no interior paulista.
De quebra, o aproveitamento deverá
ser responsável, por hora, pela não-emissão
de cerca de 10 milhões de litros de metano (CH4), principal
integrante da mistura gasosa gerada pelos resíduos
e um dos maiores vilões para o clima do planeta.
O CH4 contribui para o aumento do
efeito estufa -o aprisionamento natural da radiação
solar na atmosfera-, que pode provocar o aquecimento excessivo
do planeta, mudanças climáticas e, a longo prazo,
causar tragédias como a inundação de
cidades litorâneas. A queima incompleta do gás,
como a que ocorre quando ele entra em contato com o oxigênio
do ar, produz ainda monóxido de carbono (CO), que é
tóxico.
O triplo benefício (econômico,
ao ambiente e à saúde) começa a ser produzido
hoje, com a inauguração, no Bandeirantes, da
primeira usina de geração de energia a partir
do gás lixo no país -uma iniciativa que reuniu
o Unibanco, a empresa Biogás e a Eletropaulo, sob a
batuta da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente.
Com potência elétrica
de 22,6 MW (megawatts) e capacidade para produzir até
170 mil MWh (megawatts por hora) de energia, ela deverá
funcionar pelos próximos 15 anos, aproveitando não
só o que será depositado no aterro até
2006 -quando se prevê que será encerrado- mas
também o "passivo", que deverá ser,
então, de cerca de 30 milhões de toneladas de
combustível em potencial.
Segundo Elmar Silveira Michels, diretor-superintendente
da Biogás, a usina do Bandeirantes é a maior
do mundo. Nos arredores de Londres, há um equipamento
com potência de 18 MW; em Paris, um outro tem 14 MW;
e, em Barcelona, funciona um com 12 MW de potência,
afirma.
Um estudo feito pela Cetesb (agência
ambiental paulista) em 2001 concluiu que, por não aproveitar
a energia vinda do lixo, o país perde 325 MW de potência,
0,4% do total instalado de 73 mil MW. Na capital paulista,
o metano produzido nos dois aterros em funcionamento e em
dois dos que já tiveram suas atividades encerradas
poderiam gerar uma potência de 32 MW, suficiente para
suprir 22,5% da iluminação pública.
Um dos empecilhos de iniciativas do
gênero, segundo os técnicos da Cetesb, é
o seu custo.
Para o Unibanco, maior investidor
da empreitada -que custou R$ 60 milhões-, o retorno
será a economia pelo não-pagamento da energia
que serve cerca de mil agências em São Paulo
-o que é produzido pela usina e jogado na rede é
abatido da conta final.
Para a Eletropaulo -que, do total,
gastou R$ 2,5 milhões na construção de
uma subestação para conduzir a energia que vem
do lixo à rede de distribuição-, o benefício
virá na regularização do abastecimento
de cerca de 2.200 famílias que vivem em sete comunidades
vizinhas ao aterro e têm ligações precárias
e "gatos" (ligações clandestinas).
As despesas para tanto serão cobertas pelo banco e
pela Biogás.
A empresa, que vai operar a usina,
aposta no ganho com a regulamentação do comércio
internacional de créditos de carbono, previsto pelo
Protocolo de Kyoto, acordo que determina a redução
na emissão dos gases que aumentam o efeito estufa.
Através do mecanismo, que ainda é colocado em
prática de forma incipiente e pontual, empreendimentos
que evitam a emissão desse tipo de substância
ganham uma compensação financeira, paga pelos
que querem continuar emitindo.
Processo
O gás gerado pelo lixo é captado do subsolo
do aterro por meio de uma rede de cerca de 50 km de extensão.
É bombeado em seguida para uma central onde é
distribuído entre 24 motores (que funcionam como os
motores dos carros movidos a gás), os quais, por sua
vez, fazem funcionar 24 geradores. O excesso de gás
é queimado.
Dos geradores a energia vai para a
subestação da Eletropaulo, que a coloca na rede
distribuidora.
Até março, embora possa
produzir energia a todo vapor, a usina funcionará com
cerca de 1/4 de sua capacidade porque ainda estão sendo
feitos ajustes para que a rede possa receber a carga extra,
explica Ricardo Lima, vice-presidente comercial da Eletropaulo.
O projeto começou a ser tocado
pela prefeitura em 2001. Desde meados de dezembro passado,
os equipamentos vêm sendo testados para garantir que
funcionarão conforme o esperado.
MARIANA VIVEIROS
da Folha de S.Paulo
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