Grupo de cientistas pede liberação de doping mental
Manifesto
discute a regulamentação de droga usada para
"turbinar" a inteligência
Em pessoas saudáveis, medicamentos
usados para tratar o déficit de atenção,
como a Ritalina, parecem estimular a concentração
Um manifesto assinado por pesquisadores
de sete universidades líderes nos EUA e no Reino Unido
pede que o uso de drogas com o fim de melhorar a inteligência
seja regulamentado e, eventualmente, liberado. Em artigo ontem
no site da revista "Nature" (www.nature.com),
os acadêmicos argumentam que é preciso disciplinar
o uso que pessoas saudáveis fazem de medicamentos como
a Ritalina (metilfenidato).
Concebida para tratar crianças com TDAH (Transtorno
do Déficit de Atenção por Hiperatividade),
essa droga (e outras similares) parece ter um efeito de melhora
na concentração e na memória também
em adultos saudáveis.
Um levantamento conduzido neste ano em universidades americanas
revelou que cerca de 7% dos estudantes já fizeram uso
de medicamentos desse tipo pelo menos uma vez, na tentativa
de melhorarem seus desempenhos acadêmicos.
Tecnicamente, nos EUA, isso é crime, porque envolve
comércio de uma droga para uso "off label"
-fora do propósito original para o qual foi aprovada.
Cientistas argumentam porém que a medida é um
exagero e drogas como a Ritalina poderiam ser liberadas para
"aprimoramento cognitivo", desde que novos testes
comprovem sua segurança.
"Propomos ações que vão ajudar a
sociedade a aceitar os benefícios do aprimoramento,
acompanhadas de pesquisa apropriada e regulamento avançado",
escrevem os cientistas. "Isso tem muito a oferecer para
indivíduos e sociedade, e uma resposta apropriada por
parte de todos deve incluir a disponibilização
dos aprimoramentos acompanhada da gestão de riscos."
Sono e cansaço
Entre os nomes que assinam o documento estão "pesos-pesados"
das neurociências, como Michael Gazzaniga, da Universidade
da Califórnia em Santa Barbara, e também um
jurista, Henry Greely, da Universidade de Stanford. A idéia
do manifesto saiu de um seminário promovido pela "Nature"
e pela Universidade Rockefeller, de Nova York.
Além da Ritalina, os pesquisadores mencionam outras
três drogas que já vêm ganhando algum grau
de popularidade em usos "off label". Uma delas é
a similar Adderall, também usada em transtorno de TDAH.
Outra é a Stavigile (modafinil), aprovada para tratar
o desgaste físico causado pela narcolepsia, mas que
vem sendo usada por alguns estudantes para combater sono e
cansaço.
Há ainda uma quarta droga, a Aricept, mais difícil
de obter, originalmente aprovada para tratamento do mal de
Alzheimer. A preocupação inicial dos cientistas,
contudo, é mesmo a Ritalina. "Com a prevalência
de TDAH indo de 4% a 7% entre universitários americanos
(...), há um bocado de droga no campus que pode ser
desviada para usos de aprimoramento."
Concorrência desleal
Caso o uso de drogas para "turbinar" o cérebro
venha realmente a ser aprovado, há outras questões
que devem ser discutidas, além da segurança,
afirma o manifesto publicado na "Nature". Uma delas
é o risco de que estudantes deixem de concorrer em
pé de igualdade quando participarem de exames que envolvam
inteligência.
Uma pessoa que tenha se valido de uma droga poderia obter
vantagem de maneira artificial, da mesma forma que um atleta
dopado faz na disputa de uma competição, por
exemplo. Os cientistas apontam também o risco de mais
um problema: empresários poderiam obrigar seus funcionários
-de maneira direta ou indireta- a fazerem uso dessas drogas
para melhorarem o rendimento.
O manifesto reconhece, porém, que faltam ainda muitos
dados essenciais para que a discussão tome o rumo desejado.
Ninguém sabe dizer, por exemplo, o quanto uma droga
como a Ritalina pode de fato ajudar a inteligência propriamente
dita. O efeito de longo prazo de uma dessas drogas sobre pessoas
que já estão saudáveis, também,
ainda é totalmente desconhecido.
"Clamamos por um programa de pesquisa sobre o uso e o
impacto das drogas de aprimoramento cognitivo por indivíduos
saudáveis", ressalta o documento.