Os
jovens, meninas inclusive, bebem demais, comem de menos e
voltam para casa
em horários impensáveis
Sinceramente, não aguento mais ver mãe sofrendo
morte de filho. Na sexta-feira passada, pela segunda vez em
menos de dois meses, fui ao velório do filho de uma
amiga, morto aos 24 anos em um acidente de trânsito
ocorrido na madrugada.
A dor que presenciei chega a ser obscena de tão intensa.
Minha amiga, que sempre conheci para lá de radiante,
teve o coração destroçado. Em sua agonia,
a todos que a abraçavam, ela só conseguia balbuciar
a mesma pergunta: "Como vou viver sem meu filho?".
Um dos presentes me contou que aquele era o quinto velório
de jovem a que ele comparecia nos últimos tempos. Andrey,
o rapaz morto, não era de beber, mas a Vespa em que
trafegava foi apanhada por um Audi que não prestou
socorro. Seria o caso de deduzir que o Brasil está
lutando uma guerra e que, ao completar 18 anos, nossos filhos,
irmãos, primos e amigos estão sendo mandados
para o front de batalha.
Mas se guerra houvesse, essa meninada ao menos estaria morrendo
por uma causa e não tendo a vida interrompida sempre
pelo mesmo motivo estúpido.
Parece haver uma conspiração contra essa geração
que hoje está completando 18 anos e ganhando seu primeiro
automóvel. Todos, meninas inclusive, bebem demais,
todos comem de menos, todos vêm e vão em horários
impensáveis de se sair e voltar para casa e todos,
juntos, formam o público-alvo de uma indústria
perversa, a de bebidas alcoólicas, que confunde propositalmente
liberdade de expressão com permissividade a fim de
criar novos consumidores (e vítimas).
Eu pergunto: como é que, até hoje, ninguém
contestou em praça pública a venda de um produto
indecente como aquela garrafinha de 300 ml de vodca adocicada,
que é destinada exclusivamente ao consumo de gente
jovem? Como podem as marcas de cerveja cooptar impunemente
os ídolos da juventude para serem garotos-propaganda
de seus produtos? Como pode o manobrista da casa noturna entregar,
sem questionar, as chaves do carro ao jovem que está
cambaleando de bêbado?
Nunca entendi esse negócio de "esquenta"
-o ato de começar a beber antes da festa e só
chegar à tal da "balada" em horários
em que, antigamente, a gente estaria voltando para casa. Como
é que os pais admitem esse ritual macabro? Não
será óbvio que o "esquenta" aumenta
as chances de o jovem se meter em encrenca e que seis ou sete
horas de festa é tempo demais para qualquer um agüentar
de cara limpa?
Tem pai que é cego, e a mera existência do celular
passou aos progenitores uma falsa sensação de
segurança. Se sei onde meu filho está, tudo
bem, pensam eles. Mas não é bem assim. Por mais
jovens que sejam os baladeiros de hoje, não há
cristão, judeu, muçulmano ou descrente que agüente
virar a noite na balada com música eletrônica.
Tanto não há, que a prefeitura agora obriga
por lei as casas noturnas a ter bebedouro acessível
aos freqüentadores.
Alô, papai e mamãe para quem a ficha ainda não
caiu! Desidratação combina com ecstasy. E bebida
combina, sim, com volante e com briga. Ou será que
ninguém nunca viu bêbado valentão pisar
no acelerador e tímido reagir como leão quando
está de cara cheia?
Barbara Gancia
Folha de S.Paulo
Sob estresse, homem tem mais desejo de beber
Os homens têm mais vontade de beber do que as mulheres
quando enfrentam situações estressantes, aponta
estudo da Universidade Yale publicado na revista Alcoholismo:
Clinical & Experimental Research. A pesquisadora Tara
Chaplin comparou 27 homens e 27 mulheres que bebem socialmente.
Embora não consiga explicar a causa do fenômeno,
a autora afirma que a reação masculina ao estresse,
somada à sua tendência de beber mais do que as
mulheres, os colocam em maior risco de desenvolver alcoolismo.
LA Times
Publicado no O Estado de S.Paulo
OMS aprova criação
de estratégia para conter abuso
de álcool
Governos confirmaram ao 'Estado' que as empresas de bebidas
fizeram lobby nos últimos dias na ONU
GENEBRA - Sob pressão das empresas de bebidas, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) aprova a abertura de negociações
para a criação de uma estratégia mundial
para controlar o abuso no consumo de álcool. A aprovação
foi seguida de perto na quarta-feira, 21, em Genebra pelas
fabricantes de bebidas, inclusive a Inbev, que enviou representantes
brasileiros para a reunião. O Itamaraty e outros governos
confirmaram ao Estado que as empresas fizeram lobby nos últimos
dias nos corredores da ONU.
A OMS alerta que o consumo de álcool nos últimos
anos aumentou de forma significativa, promovendo a alta de
algumas doenças. Segundo a entidade, o álcool
gera por anos 1,8 milhão de mortes e, nas Américas,
a situação é uma das mais graves do mundo.
Grande parte do crescimento no consumo vem ocorrendo nos
países emergentes e o Brasil é alvo de preocupação
dos especialistas da OMC. Segundo estudos da entidade, o Brasil
está classificado entre os países mais problemáticos
em termos de abuso no uso das bebidas.
De acordo com os dados oficiais da OMS, o consumo de bebidas
nas Américas é 50% superior à média
mundial. Os dados são resultado de uma pesquisa feita
pelos médicos Jürgen Rehn, do Centre for Addiction
and Mental Health, de Toronto, e da brasileira Maristela Monteiro,
da Organização Panamericana de Saúde.
México, Estados Unidos e Colômbia se destacam
como alguns dos mais problemáticos. Nas Américas,
a bebida já um fator de risco maior que o tabaco.
Mesmo assim, o governo dos Estados Unidos foi um dos que
mais se opôs à resolução. Por influência
das empresas e de certos países, a resolução
não toca em temas como cobrança de maiores impostos
nem proibições de locais de vendas.
O Itamaraty considerou a resolução como "fraquíssima"
e culpou a falta de entendimento entre os países pelo
resultado. "A resolução mostrou que ninguém
está preparado para lidar de frente com o assunto",
afirmou um diplomata. O governo confirmou que foi contactado
pela indústria para saber qual seria a posição
do Itamaraty na votação.
Um dos pontos principais da resolução é
de que uma estratégia não será necessariamente
aplicada em qualquer parte do mundo e que as diferenças
entre os hábitos dos países serão respeitados.
Não por acaso, a entidade que reúne as 16 maiores
produtoras de bebidas do mundo se apressou para elogiar a
resolução. "A resolução é
equilibrada e construtiva, já que reconhece a importância
de diferenças nacionais, de religião e culturais
entre países. Ela ainda sugere uma estratégia
global que governos irão adotar de acordo com sua cultura
e necessidades", afirmou a Global Alcohol Producers Group,
da qual faz parte a Inbev.
O grupo garante que está disposto a ajudar na formulação
das estratégias. O temor das empresas é de que
a OMS passe a tratar do álcool da mesma forma que o
fez com o tabaco, criando duras leis contra o fumo.
Jamil Chade
O Estado de S.Paulo
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