O corretor
de seguros Mário Pedro Lagus descobriu um jeito de
tornar mais agradável o congestionado trajeto entre
sua casa, na Cidade Jardim, e o escritório, em Higienópolis:
adotou um pedaço da paisagem. Desde o início
deste ano, ele resolveu preservar três praças
públicas em seu caminho entre a casa e o trabalho,
um percurso de ida e volta que, por causa do trânsito,
pode levar mais de duas horas.
Estavam sujas e o mato se espalhava, alto, por todos os lados.
Depois de acertar uma parceria com a prefeitura, passou a
mantê-las limpas, auxiliado por um jardineiro. "Todos
os dias, dou uma espiada para saber se tudo está em
ordem." A adoção deu-lhe um inusitado prazer
visual. "É como se eu pertencesse à paisagem."
Não é apenas uma questão estética.
Tem a ver também com uma sensação de
dívida pessoal. Seus pais -Edgar e Gerda- vieram ao
Brasil fugidos da Alemanha e enfrentaram, durante 17 dias
em alto-mar, o pior trajeto de suas vidas, metidos no porão
de um navio.
Quando desembarcaram em Santos, não tinham dinheiro
e desconheciam a língua portuguesa. O casal prosperou.
Edgar conseguiu um bom emprego, comprou casa e assegurou boa
educação aos filhos, mas morreu cedo, quando
Mário ainda era adolescente. "Não pude
fazer faculdade. Tive de trabalhar."
Ao decidir tomar conta das praças, lembrou-se dos pais,
desesperados, fugidos do nazismo. "Como muitos imigrantes
e migrantes, sinto uma dívida com o Brasil no geral
e com São Paulo, onde nasci, em particular."
Apesar de a lei permitir, Mário tinha decidido não
colocar nem seu nome nem o de sua empresa como patrocinadora
da preservação de locais públicos. Bastava-lhe
o prazer íntimo de ver todos os dias um espaço
bonito. Ontem, mudou de idéia e resolveu fazer uma
homenagem. Numa das praças, colocará, discretamente,
na placa destinada ao patrocinador, dois nomes: Edgar e Gerda
Lagus. "É um jeito de mantê-los vivos nesta
cidade em que encontraram abrigo durante a guerra."
Para Gerda não será uma homenagem póstuma.
Vivíssima em seus 90 anos, terá um privilégio
especial neste mês: é a primeira mulher de que
se tem noticia na cidade a ter nome em praça pública
como presente no Dia das Mães. E por apenas R$ 150
por mês, isso é o que custa manter cada praça.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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