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Após
11 anos de ensino, os bons colégios particulares contabilizam
até 3.300 horas-aula a mais que a escola pública
As 621 escolas tiveram menos de
50% de acerto no Exame Nacional do Ensino Médio
O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)
comprova: na cidade de São Paulo, as escolas estaduais
são um fracasso, seja no centro, seja na periferia.
Tomando-se os 633 estabelecimentos de ensino sob controle
do Estado e excetuando-se 11 escolas técnicas e uma
ligada à Faculdade de Educação da USP,
todos os 621 colégios restantes tiveram notas inferiores
a 50 (de 100 pontos possíveis).
A prova é realizada anualmente. Estudantes do 3º
ano ou que já concluíram o ensino médio
submetem-se a ela voluntariamente, seja para testar os conhecimentos
adquiridos no ensino médio, seja para contar pontos
no vestibular.
As notas das escolas foram obtidas a partir das médias
aritméticas das notas de seus alunos no exame, composto
por teste de conhecimentos gerais e prova de redação.
A "melhor" escola estadual da cidade de São
Paulo foi a Rui Bloem, na Saúde, com média 49,88.
A "pior" foi a União de Vila Nova 2, na zona
leste. Com nome de escola de samba, teve média 27,09.
A média geral das estaduais foi 38,42.
O exemplos extremos do Rui Bloem e da União de Vila
Nova parecem confirmar a idéia de que quanto mais central
a escola, melhor o desempenho de seus alunos. Mas não
é assim.
Performances ruins foram observadas até em colégios
centrais que foram baluartes do ensino, como o Caetano de
Campos, hoje dividido em duas unidades (na praça Roosevelt
e na Aclimação), ou o Rodrigues Alves, cujo
prédio, recém-restaurado, fica incrustado na
rica avenida Paulista.
Caetano e Rodrigues Alves, vizinhos de cinemas, teatros, centros
culturais e de museus importantes (muitos com programação
gratuita), tiveram desempenhos inferiores aos de escolas de
bairros com Índice de Desenvolvimento Urbano análogos
aos africanos, como Marsilac ou Guaianases, nas bordas da
cidade, onde não há cinema, teatro ou museu.
Para comparar: se o Caetano de Campos da praça Roosevelt
teve média 39,35, e o Rodrigues Alves ficou com nota
34,83, escolas como a Professora Ernestina del Buono Trama,
de Guaianases, no extremo leste, ou a Regina Miranda Brant,
de Marsilac, no extremo sul, somaram respectivamente 45,21
e 39,69 pontos.
Na divisão das escolas por região, feita pela
Secretaria da Educação, a área Sul 3
(abrange bairros como Grajaú, Cidade Dutra, Parelheiros,
Marsilac e Socorro) teve média 37,74.
A Sul 2 (Campo Limpo, Capão Redondo, Jardim Ângela
e Jardim São Luís), mais perto do centro, ficou
com média 37,07.
O centro propriamente dito ficou com a média 39,2.
A melhor região, a centro-oeste (bairros de Pinheiros,
Lapa, Morumbi, Moema, Jardim Paulista) teve média 40,76.
Trata-se, é claro, de um campeonato infeliz o que classifica
os melhores entre os piores. Das 621 estaduais, 96% tiveram
notas inferiores a 45 -69% ficaram abaixo dos 40 pontos. Para
comparação, das 412 particulares que participaram
da prova, só 5 (1,2%) pontuaram abaixo de 40. Abaixo
de 45 pontos ficaram 25 escolas, ou 6%.
De outro lado, na faixa acima dos 50 pontos, o Enem revelou
estarem 293 escolas particulares (71% do total). Lembre-se
de que nenhuma das 621 estaduais atingiu a marca.
Segundo a diretora da Faculdade de Educação
da USP, Sonia Penin, pode-se falar em metodologia, fatores
pedagógicos, proximidade da escola de equipamentos
culturais, qualificação do professor ou outras
tantas variáveis, mas, para ela, o fator mais importante
a determinar o fiasco das públicas é o número
de horas de estudo. "A exposição do aluno
ao estudo e à cultura, consubstanciada na carga horária
é o nó mais evidente do ensino público",
afirma.
Horários puxados
Em comum, as escolas com notas mais altas no Enem, além
de serem particulares, têm cargas horárias puxadas
(mais de 1.200 horas-aula por ano). As escolas públicas
regulares (não-técnicas) oferecem entre 900
e 1.080 horas-aula anuais.
A diferença, vista assim, nem é tão grande.
Mas as escolas no topo do ranking têm, além das
aulas regulares, um sem-número de atividades extracurriculares,
laboratórios de redação, aulas de atualidades
a partir da leitura de jornais, plantões de dúvidas,
internet e bibliotecas. Tantas atividades chegam a dobrar
o tempo de aulas do aluno das boas particulares.
A desvantagem do estudante da rede estadual cresce mais se
considerada a praga do absenteísmo dos professores,
um "problema impressionante", segundo Penin. Formalmente,
o professor pode ter seis faltas abonadas por ano. Sabe-se
que é muito mais do que isso, mas o governo não
tem dados consolidados sobre o problema.
Se cumprissem o que prometem, as públicas já
dariam pouco a seus alunos. Ao fim dos 11 anos regulares de
ensino fundamental e médio, o jovem oriundo de bons
colégios particulares poderá contabilizar até
3.300 horas-aula de vantagem sobre aquele que só freqüentou
a escola pública. Isso equivale a fazer três
vezes um cursinho pré-vestibular de um ano.
A conta pode ir até a cinco vezes, se se consideram
as faltas de professores, que em algumas escolas custam a
perda de dois a três dias de aulas por semana.
"Inclusão excludente"
O professor Demerval
Saviani, da Faculdade de Educação da Universidade
Estadual de Campinas, acredita que uma explicação
possível para o resultado pífio das estaduais
esteja no que chamou de "inclusão excludente",
gerada pela "progressão continuada".
"Incluiu-se o aluno na escola, sem dar a ele o domínio
de conteúdos elementares." Segundo Saviani, "houve
um esforço para melhorar as estatísticas, e
não o ensino".
Ele explica: até 1998, 98% dos alunos tinham acesso
ao ensino fundamental. Mas pouco mais da metade conseguia
formar-se na 8ª série. No início dos anos
90, cerca de 1,5 milhão de alunos eram expulsos ou
fracassavam na escola por ano.
Saviani, que não é contrário à
"progressão continuada", diz, porém,
que o que se fez "foi tentar resolver o drama da evasão
e da repetência com uma canetada, sem dotar a escola
de instrumentos para garantir que o aluno com dificuldade
pudesse resolver esse atraso, com aulas de reforço,
por exemplo".
"Implantada em 1997 [durante o governo tucano de Mário
Covas (1930-2001)], o resultado da progressão continuada
é o que está aí: alunos saem da 8ª
série mal sabendo ler e escrever e entram no ensino
médio sem condições de acompanhar as
aulas por absoluta falta de conhecimentos básicos.
Pior do que as notas do Enem despencarem, é ver que
a falta de investimento na educação está
mantendo a maioria da juventude excluída da atual sociedade
do conhecimento", diz.
Igualdade entre as escolas é positiva, diz coordenadora
Inaugurado
em 1894, Caetano de Campos já foi modelo de ensino público
Laura Capriglione
Folha de S.Paulo
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