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Marco
modernista, Edifício Esther receberá Secretaria
Municipal da Educação; Cultura vai para o Sampaio
Moreira
A Prefeitura começou a desapropriação
para transformar em sede de órgãos públicos
dois edifícios históricos do centro da cidade
- o Esther, marco da arquitetura modernista do País,
e o Sampaio Moreira, o "avô dos arranha-céus"
de São Paulo. O Esther, na frente da Praça da
República, vai ser a sede da Secretaria Municipal da
Educação, e o Sampaio Moreira, na Rua Líbero
Badaró, a nova Secretaria de Cultura.
Protegido pelos órgãos
de conservação municipal e estadual (Conpresp
e Condephaat), o Esther, de 1938, é o primeiro do País
a seguir à risca os postulados do arquiteto francês
Le Corbusier: planta, fachada e janelas livres (permitindo
ampla exposição dos apartamentos, o que rendeu
ao Esther o apelido de "construção devassa");
pilotis no térreo (entre os pilares, foi feita uma
das primeiras galerias comerciais do País); e terraço-jardim.
O prédio também abrigou o Instituto dos Arquitetos
do Brasil (IAB), o Clubinho dos Artistas, o escritório
do arquiteto Rino Levi e a residência do pintor Di Cavalcanti.
O Sampaio Moreira, construído
em 1924 e tombado pelo Conpresp, teve no tamanho sua principal
marca. Hoje espremido entre dois edifícios de 27 e
31 andares, foi o primeiro de São Paulo a ultrapassar
os 5 pavimentos - alcançou logo 12. Para que fosse
liberada a construção, foi necessário
alterar o Código de Obras, de 1923.
A história dos edifícios
foi decisiva para que pedissem a desapropriação.
A preservação do patrimônio - em processo
"irreversível" de degradação,
segundo a Secretaria da Cultura - influenciou. "A intervenção
pública era a única maneira de preservar os
edifícios", avalia o secretário municipal
da Cultura, Carlos Augusto Calil. Os decretos de declaração
para utilidade pública dos edifícios foram publicados
no Diário Oficial em 4 e 18 de dezembro.
No Sampaio Moreira, a maioria das
unidades, todas comerciais, já foi desocupada. Segundo
o síndico, André Ubezio, "menos de 20"
das 180 unidades seguem ocupadas. Os inquilinos devem sair
até o dia 15.
"Só quero continuar trabalhando
no elevador onde sempre trabalhei", pleiteia Joaquim
de Araújo de 51 anos, ascensorista do Sampaio Moreira
há 30 anos - o único emprego que teve na vida.
"Seria o ascensorista da secretaria com o maior prazer!",
se oferece.
?BOM NEGÓCIO?
A Prefeitura depositou em juízo
R$ 5,1 milhões na conta do espólio de herdeiros
do edifício. A família, porém, deve entrar
na Justiça questionando o valor avaliado do prédio.
Hoje, a sede da Secretaria Municipal da Cultura ocupa sete
andares de um edifício na Avenida São João
- aluguel de R$ 164 mil por mês ao grupo Savoy. "Em
dois anos e meio cobriremos a desapropriação.
Financeiramente, também é um bom negócio",
diz Calil.
No Esther, a desapropriação
deve ser mais complicada. Também foi construído
por uma família - os Nogueiras, usineiros de Cosmópolis,
cujo brasão ornamenta elevadores, janelas e maçanetas
do prédio. Hoje são mais de 30 os donos das
101 unidades. Todas passaram por avaliação para
definir valores de desapropriação. "Não
vão oferecer quanto o apartamento vale. É bem
localizado, na porta do metrô", diz o produtor
de eventos Edgar Sguassabia, de 72 anos, morador do Esther
desde 1987. "Se tiver de sair, alguma recordação
levo comigo", completa outro proprietário, o advogado
Nestor Beyrodt, que reforma seu apartamento para recuperar
a pintura das portas e torneiras e fechaduras originais.
Com fachada enegrecida e sem reboco
em alguns pontos, janelas quebradas, corrimãos retorcidos
e infiltrações na cobertura (hoje depósito),
o Esther começou a decair no fim da década de
1970, na esteira da degradação do centro. "Uma
secretaria no local certamente ajudaria a revitalizar o prédio,
hoje caindo aos pedaços", disse Calil. Atualmente,
a Secretaria de Educação do Município
funciona em prédio próprio na Vila Mariana,
na zona sul. Pelo menos o gabinete do secretário será
transferido para o centro.
Armazém histórico
de 1924, Casa Godinho vai ficar no Sampaio Moreira
Entre os cerca de 40 inquilinos que ainda ocupavam
o Sampaio Moreira quando a desapropriação teve
início, um deles, alegando "fazer parte do patrimônio",
decidiu se mobilizar. Foi Miguel Romano, atual proprietário
da Casa Godinho, armazém à moda antiga, que
fica no térreo do edifício desde sua inauguração,
em 1924. "Se o prédio tem importância histórica,
a Casa Godinho também. Ela sempre fez parte do Sampaio
Moreira", defende Romano. "Daqui, não poderíamos
sair."
Em janeiro, na tentativa de salvar
as históricas prateleiras de imbuia, o empresário
anexou uma petição ao processo de despejo. Recebeu
parecer favorável da Procuradoria-Geral do Município,
que disse não ter "nenhuma intenção
em encerrar as atividades" da Casa Godinho. Sabendo do
parecer, a Secretaria da Cultura declarou que manteria o armazém
no local, "pela sua importância histórica
para a cidade". A decisão foi embasada em expediente
jurídico chamado "cessão onerosa",
que permite o pagamento por terceiros para utilização
do espaço público. O valor a ser pago ainda
não foi definido.
Outros inquilinos, também "parte
da história do edifício", manifestam preocupação.
Caso do contador José Antônio Mandetta, de 81
anos, cuja família mantém escritório
no edifício desde 1949. Sua vida é tão
marcada pelo Sampaio Moreira que, segundo funcionários
do prédio, Mandetta "também deveria ser
tombado".
E a reivindicação do
contador é simples: quer ajuda para conseguir sala
semelhante ali por perto. "Já procurei lugar parecido
e é tudo o triplo do preço. Como vou exercer
a profissão? É tempo demais aqui para ser despejado
e pronto", disse Mandetta, que paga R$ 300 por condomínio
e aluguel, pela sala do 7º andar. "Mas, por via
das dúvidas, já comecei a encaixotar. Triste
demais."
Vitor Hugo
Brandalise
O Estado de S. Paulo
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