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Muralista
brinca com Cidade Limpa ao criar com materiais descartados
De janeiro do ano passado, quando
entrou em vigor a Lei Cidade Limpa, até hoje, mais
de 150 mil placas tiveram de ser removidas das fachadas de
lojas, empresas e edifícios de São Paulo. Outros
15 mil outdoors foram retirados das ruas, segundo estimativa
da Empresa Municipal de Urbanização (Emurb).
Entre as peças publicitárias perdidas em depósitos
e ferros-velhos ou recicladas para se adaptar às novas
dimensões, ao menos 20 unidades tiveram destino inusitado:
foram parar em uma galeria na Vila Madalena, servindo como
suporte para obras de arte, que custam de R$ 2 mil a R$ 15
mil.
Com restos de placas galvanizadas
ou de madeirite, luminosos, letras-caixas e painéis
de lona, o muralista Eduardo Kobra, de 33 anos, grafiteiro
desde 1987, elaborou 14 obras para a mostra Lei da Cidade
que Pinta, em exposição a partir de hoje até
10 de novembro, no Empório Artístico Michelangelo,
na Vila Madalena. "A idéia foi criar arte com
anúncios publicitários, que acompanham a evolução
de São Paulo, para refletir sobre as mudanças
na cidade ao longo do tempo", explica. "Quando comecei
a buscar os anúncios em depósitos e ferros-velhos,
não sabia o que ia encontrar. Aí fui achando
luminoso, resto de outdoor, placas fora do padrão.
Vi que tinha um bom material e decidi brincar até com
a lei."
Cobrindo uma parede inteira da galeria,
está pendurado um luminoso grafitado, em que Kobra
retrata a esquina entre as Ruas Direita e São Bento,
no início do século 20. O contraste entre a
São Paulo de ontem e a de hoje é um dos temas
caros ao autor. Garimpado em um depósito em Taboão
da Serra, o luminoso é obra de descarte ocorrido entre
abril e junho de 2007, meses de adaptação à
nova lei. "Ouvi um comentário que era de uma lanchonete,
mas não tenho certeza. Já estava sem tinta",
afirma Kobra.
Esquina entre as Ruas Direita e São Bento
Veja
mais imagens no Site do Kobra
Ao redor do luminoso, ficam outras
obras que remetem a tempos românticos, criadas sobre
material publicitário de marcas como Coca-Cola, Calvin
Klein e empresas de comunicação visual. No antigo
letreiro do restaurante Almanara - hoje somente restam as
letras "anara" -, está grafitado um senhor
de terno e chapéu Panamá. Num painel de lona
da Coca-Cola, Kobra pintou, inspirado em fotografia de 1932,
um bonde cruzando a Rua Sebastião Pereira. Na placa
em que ficava, com mão no queixo e ar inteligente,
um modelo da Calvin Klein, o artista grafitou o cruzamento
da Avenida Paulista com a Alameda Campinas em dois momentos,
em 1920 e hoje.
Na busca por material, o artista percorreu
dez ferros-velhos e depósitos de empresas de comunicação
visual e ouviu reclamações. "Diziam que
teriam de fechar as empresas. Mas, no meu caso, sou a favor
da lei, acho que a cidade precisava disso", opina Kobra,
conhecido pelo projeto Muros da Memória - o artista
já grafitou paisagens antigas em 18 pontos internos
e externos, os mais famosos nas Avenidas Domingos de Moraes,
Sumaré, Morumbi e na Igreja do Calvário. "Agora,
é hora de discutir a arte na rua, se deve ou não
haver mais espaço para o grafite, nos locais antes
ocupados pela publicidade."
Anteontem, com quase tudo pronto para
a exposição, a nova lei ainda levou Kobra a
uma irônica situação. Achando que se tratava
de propaganda irregular na fachada da galeria - repleta de
cartazes, em alusão à obra do artista -, um
fiscal da Prefeitura pediu a "retirada imediata"
do material. "Depois de muita conversa, conseguimos convencer
o fiscal de que não havia nada de ilegal." O argumento
de Kobra foi simples: embora parecesse, não era publicidade,
mas intervenção artística.
Empório Artístico
Michelangelo - Rua Fradique Coutinho, 798. Até 10 de
novembro. Segunda a sexta, das 9 às 19 horas; sábados,
até as 22 horas
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