Para quem
achava que a crise aérea que se arrasta desde 2006
não poderia agravar-se, a inominável matança
ocorrida ontem em Congonhas deu uma prova inquestionável
de que o pior ano da aviação brasileira é
um pesadelo longe de acabar.
Há culpados? Dificilmente um
acidente aéreo tem "um" culpado, no sentido
mais vulgar, de atribuição de dolo. A investigação
pelas autoridades aeronáuticas é que dirá
o que efetivamente aconteceu.
Mas, depois de amanhecer vendo a foto
do avião da Pantanal derrapado na pista de Congonhas,
cuja reforma deveria ter evitado tais ocorrências durante
a chuva, e assistir no noticiário noturno a uma tragédia
parecida no mesmo lugar, é lícito que qualquer
um pergunte: são fatos relacionados?
A pista de Congonhas, como foi discutido
à exaustão pela Aeronáutica e pela Infraero,
oferece perigos para a operação de aviões
grandes por ser curta e ter problemas de escoamento de água.
Isso é sabido desde que os Boeings substituíram
os lentos e graciosos Electras na ponte aérea, e o
recente relatório em que se recomendavam as obras em
Congonhas explicitava o risco.
O próprio brigadeiro Jorge
Kersul (Cenipa), falando à CPI do Apagão Aéreo
na Câmara, já dizia que os acidentes eram iminentes
antes da obra. Ressaltando que não é possível
a esta altura imputar à sua execução
o acidente, a reforma terá de ser posta no foco dos
questionamentos.
Independentemente disso, fica a constatação:
Congonhas, como funciona hoje, tem de parar. Por culpa da
ganância e da inexperiência operacional das empresas
brasileiras, sua capacidade foi ultrapassada. Por motivos
parecidos, descaso e outros razões talvez indizíveis
por parte das autoridades federais, nada foi feito.
Nenhuma cidade do porte de São
Paulo, no mundo todo, mantém um aeroporto com tal carga
de operação no meio de sua mancha urbana. Todas
diluíram o volume de tráfego em aeródromos
secundários à sua volta. Por isso tudo, fechem
Congonhas, desidratem seu funcionamento. Dados os interesses
em questão, é muito difícil que isso
aconteça. Mas é um imperativo.
O acidente se soma à inacreditável
seqüência de eventos trágicos, que começou
a rigor em setembro passado com o choque entre o Boeing da
Gol e o Legacy da Excel Aire. No meio do caminho, caos nos
aeroportos, motim de controladores, quase-colisões,
a exposição da fragilidade de todo o sistema
aéreo brasileiro. Apuração completamente
inócua e repetitiva feita no Congresso não levou
a lugar algum.
É impossível dissociar
os fatos. Logicamente, isso não é uma declaração
específica sobre o ocorrido ontem – fatores humanos,
climáticos e, sim, a própria condição
da pista serão elementos da apuração.
"Algum dia, um Airbus vai parar
do outro lado da avenida." A frase me foi dita por um
piloto há algum tempo, casualmente, comentando os problemas
estruturais de Congonhas. Aviões são magníficas
expressões do engenho humano e, por isso mesmo, frágeis.
Um detalhe, uma derrapagem, basta para a consumação
de uma tragédia. Não havia nada de casual no
que o piloto dizia.
Igor Giselow
Folha de S.Paulo.
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