|
06/07/2007
Carta da semana
Não deixe de tomar o seu cafezinho
"Desde a hora em
que entrei na padaria, o dono começou a insistir comigo:
“Venha conhecer o banheiro novo, quero ver se está
tudo certinho para você”. E não adiantou
eu pedir para terminar meu cafezinho, ele estava muito ansioso
e quase me arrastou para dentro do mais novo investimento
do local.
Era um banheiro espaçoso, com
barras de apoio, piso antiderrapante, torneira e válvula
de fácil acionamento, totalmente adaptado, perfeito
para um cadeirante ou para alguém com alguma deficiência
motora qualquer. “Gostou? Está tudo certinho?
Precisa de mais alguma coisa?”, vibrava o português
com a minha aprovação.
A padaria em questão demorou longos anos para tornar
o local mais acessível para mim e para os demais cadeirantes,
mas é um exemplo do que procuro propagar como atitude
fundamental para quem tem algum tipo de necessidade especial:
é preciso aparecer, é preciso sair à
rua, é preciso, mesmo com todas as dificuldades, mostrar
que é necessário, sim, adaptar.
É natural donos de bares, restaurantes
ou casas noturnas, por exemplo, usarem a falta de público
como argumento para não dar ao local melhores condições
de acessibilidade. “Rampa para quê?”
Então, o deficiente tem é
de se fazer presente, de ir à locadora de vídeos,
ao banco, à loja da esquina e enfrentar as portas apertadas,
as calçadas esburacadas, a falta de rampa, a falta
de um espaço reservado.
É assim, muitas vezes, que
surgem acessos facilitados, banheiros com portas mais largas,
funcionários mais solícitos, vagas reservadas.
Expor-se, certamente, pode ser constrangedor, doloroso e até
perigoso. Acredito, porém, que essa é a melhor
forma de um portador de necessidade especial conquistar o
direito de ir a um bar, beber quantos chopes tiver vontade
e não ficar pensando se a cadeira de rodas dele passará
ou não pelo vão estreito da porta.
É claro que cobrar atitudes
de órgãos públicos para que nos garantam
o direito pleno de ir e vir é importante, mas as ações
individuais podem trazer benefícios imensos em um bairro,
em uma região, em uma cidade toda.
Fiquei pensando que o português
da padaria deve ter ficado um bom tempo constrangido por não
ter condições ideais para receber um freguês.
O bom é que, agora, o cafezinho ficará com gosto
melhor para mim. e para ele.
PS: Ah, sim, o portuga, depois do
sucesso do banheiro, trocou o piso da calçada da frente
da padaria, fez uma rampa na esquina da quadra do local...
acho que um dia ele vai rebaixar o balcão!"
Jairo Marques - jmarques@folhasp.com.br
|