|
É
preciso ter bom coração para sobreviver na cidade
de São Paulo -literalmente.
Divulgado na semana passada, levantamento feito com 35 mil
pessoas pela Secretaria da Saúde e Sociedade de Cardiologia
do Estado de São Paulo estimou que cerca de um terço
dos moradores da capital tem risco mais elevado de sofrer
um infarto nos próximos cinco anos.
Entre os vários fatores de risco -alimentação,
estresse, obesidade, sedentarismo, fumo-, um deles vem do
ar. O Laboratório de Poluição da USP
aponta crescimento de problemas cardíacos associados
à fumaça dos veículos que entopem as
ruas; a poluição tiraria um ano de vida dos
paulistanos.
Esse é um dos ingredientes por trás da montagem
em andamento de um índice de felicidade dos paulistano,
que engloba do sono ao desempenho sexual, passando pela convivência
com amigos e familiares -são alguns fatores, aliás,
relacionados ao coração.
Começaram a chegar, na semana passada, as primeiras
respostas dos questionários enviados pelo Movimento
Nossa São Paulo para a elaboração dos
Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município
(IRBM). Seu objetivo é revelar o que a cidade entende
por qualidade de vida -por isso entram questões sobre
família, espiritualidade, consumo, em meio aos temas
mais óbvios como mobilidade, saúde, habitação,
emprego, renda, cultura ou educação.
Com assessoria do Ibope, o índice será lançado
em janeiro e, a partir daí, acompanhado periodicamente.
O difícil é transformar todos esses dados em
ação.
Uma coisa é pedir mais creches e asfalto ao prefeito
ou limpeza dos rios ao governador, outra é saber como
se melhora o sono, o tempo disponível para o lazer,
famílias e amigos. É como se a cidade fosse
encarada como um país.
Quando se fala em poluição, por exemplo, há
muitos atores. A prefeitura tem sua cota de responsabilidade:
o trânsito, a demora da inspeção veicular,
a incapacidade de tirar os carros ilegais das ruas. Mas se
pode responsabilizar o governo federal por não ter
repassado verbas ao Rodoanel e ao metrô, o governo estadual
por não punir os municípios vizinhos que jogam
seu esgoto diretamente nos rios da cidade de São Paulo
e as escolas por não ensinarem questões ambientais.
Para salvar empregos, a redução de impostos
federais e estaduais ajudou a produzir recorde na venda de
carros. E, claro, mais ruas entupidas e ar mais sujo. Na semana
passada, reportagem do jornal "O Estado de S. Paulo"
mostrou que, apesar de todas as modificações
no trânsito, a velocidade média dos automóveis
não para de cair. Na hora do pico, caiu para 17 km/h
-uma charrete puxada a cavalo se movimenta a 28 km/h; alguém
caminhando sem muita pressa atinge 5 km/h.
Pode-se atacar a Petrobras por produzir um óleo diesel
altamente poluente, a tal ponto que a empresa foi retirada
do Índice de Sustentabilidade da Bovespa -na semana
passada, chegaram documentos aos Estados Unidos para que ela
fosse retirada desse mesmo índice da Bolsa de Nova
York.
Não por acaso, muitos dos grupos que participam do
Movimento Nossa São Paulo fazem pressão contra
a Petrobras por meio de outras entidades, como a Ethos, cuja
missão é a responsabilidade empresarial.
A poluição é apenas um exemplo dos múltiplos
focos de cobrança em torno de um mesmo assunto. O índice
da felicidade exigiria a cobrança, a partir de cada
prioridade, dos mais diferentes níveis de governo.
Mais tempo com a família exige ações
para que as pessoas morem mais perto do trabalho -ou mais
espaços culturais e de lazer. Melhor sono exige da
fiscalização do barulho na rua até tratamento
psicológico ou médico.
É um aprendizado e tanto para um país em que
as pessoas não sabem direito as funções
e responsabilidades dos governos federal, estadual e municipal
que, na maioria das vezes, atuam sem coordenação.
Para completar, sempre esperamos soluções de
cima, a começar de Brasília.
Aprende-se a transformar o local indo a sua rua, passando
para o bairro até chegar à cidade -o que vimos,
na semana passada, nos bastidores de Brasília, envolvendo
Lula, PT e Sarney, é mais um estímulo para ficarmos
mais na planície do que no planalto.
PS - Um dos sinais de incivilidade de nossas cidades é
a falta de vontade dos governantes em atuar com mais rigor
contra os veículos particulares. Acaba-se pagando um
pedágio camuflado nas horas paradas ou nos estacionamentos,
cada vez mais caros.
Por isso, uma das minhas imagens preferidas, neste ano, é
a da Times Square fechada para os automóveis. É
algo que, até pouco tempo atrás, não
seria imaginado nem nos palcos de um daqueles teatros.
Aliás, Nova York está abrindo mais ruas para
pedestres, a exemplo do que ocorre em muitas cidades como
Paris, Londres, Estocolmo, Roma e Bogotá.
A maioria da população apoia pelo simples motivo
de que cresce a consciência de que o índice de
felicidade está mais para espaços abertos do
que trancado dentro de um carro, por mais confortável
que seja.
Coluna originalmente publicada na
Folha Online, editoria Cotidiano.
|