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Enquanto
SP se deteriorou tanto em tão pouco tempo, Barcelona
se reinventou e, de quebra, redescobriu o mar
A prefeitura de Barcelona inventou um jeito simples para diminuir
a dificuldade de obter emprego na cidade. É espécie
de versão espanhola de um Poupatempo, destinado, porém,
ao trabalho.
Um grupo estuda diariamente as tendências do mercado
de trabalho e monta uma lista de oportunidades. A partir desse
mapeamento, faz-se relação de todos os cursos
existentes, virtuais ou presenciais, capazes de preparar o
candidato à vaga. Se, por acaso, não houver
o curso, entidades públicas ou particulares são
estimuladas a criá-lo.
Ao procurarem o programa, batizado de "Barcelona Ativa",
os indivíduos sabem onde estão os empregos e
como se preparar para obtê-los. Uma das demandas não
preenchidas, por exemplo, é a de coordenador de debates
por internet.
Por essa e mais uma imensa galeria de engenhosas soluções,
senti-me, caminhando pelas ruas e vielas medievais de Barcelona,
neste início do ano, como se estivesse dentro de um
laboratório ao ar livre -raras vezes se encontra, nessas
proporções, uma comunidade tão inventiva.
Até o fim dos anos 80, Barcelona era conhecida como
decadente, em estado de deterioração, sufocada
por uma densidade populacional que só perdia para Calcutá,
na Índia. Dizia-se que era uma cidade "cinza".
O estrago fora provocado, em larga medida, pela antipatia
pessoal do ditador Franco à combativa região
da Catalunha, no geral, e a Barcelona, sua capital, em particular.
O encanto de Barcelona estava no passado, localizado nos monumentos
e nos notáveis artistas e arquitetos, como Picasso,
Dalí, Gaudí e Tàpies, que nascerem ou
viveram por lá. Sua economia dependia de uma estrutura
industrial envelhecida. Pouco se aproveitava de sua vocação
turística, o que se verificava pela baixa ocupação
dos hotéis.
Vi agora as ruas coloridas, empanturradas de europeus, em
sua maioria jovens. Os hotéis, restaurantes, bares,
museus, cafés, salas de concerto estavam cheios. É
apenas a ponta mais aparente de uma intervenção
muito mais profunda.
Conectaram-se os diversos bairros da cidade, privilegiando
o pedestre: alargaram as calçadas, fecharam ou reduziram
o acesso de automóveis pelas ruas. Demoliram prédios
deteriorados e, em seu lugar, criaram pequenas praças,
todas com alguma elegante escultura. No mais bairro pobre,
encravaram um museu de arte contemporânea, cuja frente
serve como pista de skate.
O marco da renovação foram as Olimpíadas
de 1992, quando se lançou uma operação
numa imensa faixa costeira, ocupada por armazéns velhos,
terrenos vazios ou fábricas deterioradas. A cidade
redescobriu o mar, ganhando um gigantesco passeio público
e, de quebra, praias.
Além da questão urbana, os prefeitos se preocuparam
em posicionar a cidade para o futuro e arquitetaram um parque
de tecnologia da informação, além de
uma incubadora de empresas sofisticadas, misturando universidade,
centros de pesquisa e empresas. Ergueram um centro de convenções
sem igual naquela parte da Europa.
Barcelona quer tirar proveito de sua posição
geográfica para ampliar os negócios com as cidades
mediterrâneas. Isso implicou todo um plano de transportes;
começa neste ano a funcionar o trem de alta velocidade.
O resultado: o desemprego em Barcelona é o menor entre
as grandes cidades da Espanha, e o setor de serviços
ganha cada vez mais força, superando as velhas indústrias.
Seu nível educacional não pára de subir.
Conseguiram combinar o provinciano ato de caminhar ou ficar
conversando numa pracinha com a mais avançada pesquisa
científica para o mundo virtualizado e uma inserção
global de negócios.
Além da sorte de ter uma concentração
de dirigentes talentosos e com visão de longo prazo,
ajudados pela expansão da economia espanhola, Barcelona
foi beneficiada pelo fato de que, no geral, um prefeito complementava
o que seu antecessor fazia. Além disso, havia um pacto
com a sociedade, inclusive com os meios de comunicação,
em torno de uma agenda mínima para a recuperação
da cidade.
Mais do que a óbvia inteligência urbana de seus
governantes -jamais ousariam fazer de sua cidade apenas um
trampolim político como ocorre tanto aqui no Brasil-,
aprendemos até onde se pode ir quando as pessoas fazem
de suas comunidades um grande caso de amor.
São capazes até de redescobrir o mar.
PS - Saí de lá com a visão reforçada
de que São Paulo, que voltou a viver um inferno com
o desabamento do metrô, deteriorou-se tanto em tão
pouco tempo, atacada por marginais, pisoteada pelos políticos,
massacrada por especuladores imobiliários, porque,
além do dinheiro escasso e do baixo crescimento econômico,
faltou o mais elementar respeito de seus habitantes. Por isso,
eles conseguem ver o mar, e nós estamos no buraco.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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