O visitante
do museu entrará, por exemplo, numa sala que reproduzirá
o Maracanã quando Pelé fez o milésimo
gol
Formado em arquitetura pela USP, Mauro Munhoz preparou um
projeto urbanístico destinado a revitalizar Paraty.
Não deu certo. O fracasso arquitetônico, porém,
serviu de inspiração para um dos maiores sucessos
culturais do país. Em meio aos debates sobre urbanismo,
resolveu-se realizar, naquela cidade, uma festa literária
internacional (Flip). "Não podíamos avaliar
como esse encontro iria acabar marcando Paraty, muito mais
do que uma ação urbanística." Neste
momento, ele está envolvido numa obra capaz de remodelar
um trecho histórico de São Paulo, usando, em
vez da literatura, o futebol.
Mauro Munhoz faz parte de uma equipe que vem preparando o
Museu do Futebol, previsto para ser inaugurado, no estádio
do Pacaembu, em 2008 -os recursos virão da iniciativa
privada em parceria com a prefeitura. Será seguido
o modelo do Museu da Língua Portuguesa, na região
da Luz, priorizando tecnologia da interatividade. Um visitante
entrará, por exemplo, numa sala que reproduzirá
o Maracanã na noite em que Pelé fez o milésimo
gol -ele, então, terá na sua frente, além
do goleiro virtual do Vasco, uma bola para ser chutada. "Só
que o visitante corre o risco de perder o gol", conta
Mauro, sobrevivente de uma geração de paulistanos
que jogavam futebol na rua, em meio a pacientes motoristas.
Toda vez que passa na rua em que morava, nos Jardins, e
vê os carros estacionados, ele reflete sobre o desaparecimento
da São Paulo em que as crianças brincavam, despreocupadas,
na frente de casa. "Os espaços foram sendo, ano
a ano, mais dominados pelo medo e pelos automóveis,
justificando a arquitetura dos condomínios."
Um dos exemplos dessa doença urbana está exatamente
na frente do futuro Museu do Futebol -a praça Charles
Miller, que de praça nada tem, afinal presta-se, na
maior parte do tempo, como estacionamento.
Contrariando as primeiras sugestões sobre onde deveria
se instalar o museu, Munhoz defendeu -e venceu- a idéia
de que deveriam ser ocupadas as áreas logo na entrada
do estádio, exigindo pequenas intervenções.
Nem poderiam ser grandes intervenções; o Pacaembu
é tombado pelo patrimônio histórico.
A tentação para qualquer arquiteto que valorize
a convivência entre os moradores de uma cidade -isso
significa mais espaço para pedestres e menos para os
automóveis- seria mesmo fazer da praça-estacionamento
uma praça de verdade, unificada ao Museu do Futebol.
O virtual do museu viria com uma experiência presencial.
Não é uma costura fácil. Os moradores
da região, especialmente os de Higienópolis,
brigam com a Faap por causa do excesso de carros dos seus
alunos. "Acredito que todos sairiam ganhando com a recuperação
dessa área. O que se pretende é que, com o museu,
o estádio receba visitantes todo dia."
Munhoz aposta que, assim como a literatura teve impacto na
vida de Paraty, a cultura do futebol iria modificar a paisagem
humana e urbana daquele trecho de São Paulo -mais uma
das zonas de apartheid social. Um dos sinais de apartheid
aparece no próprio clube do estádio do Pacaembu,
que, apesar de gratuito e com todos os equipamentos esportivos,
é muito mais freqüentado por ricos que por pobres
-assim como a praça Charles Miller, transformada em
estacionamento de estudante.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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