Tombada,
com afrescos, esculturas, móveis e pinturas do século
17, a basílica do Carmo corre o risco de desabar
Antonio Sílvio da Costa jogou para o alto a carreira
de médico, tornou-se frade carmelita e, missionário,
saiu viajando pelo mundo. Visitou povoados miseráveis
da África e da Ásia, alguns deles vítimas
de guerras; no Timor Leste, ficou por quatro meses. Neste
momento ele está em São Paulo travando uma batalha
para evitar a destruição da fachada da igreja
da qual é pároco. "É uma tristeza",
lamenta frei Sílvio, sentindo-se impotente.
Sua sensação de impotência apareceu até
mesmo nas badaladas do sino da igreja, na Bela Vista (Bexiga).
Carioca, frei Sílvio não conhecia alguns dos
códigos paulistanos e, pouco tempo depois de ter assumido
o cargo de pároco, neste ano, foi chamado pela prefeitura
por causa do programa "Psiu", do qual nunca tinha
ouvido falar. Vizinhos reclamaram do barulho do sino e o caso
acabou na Justiça. O juiz ficou do seu lado, afinal
aqueles sons têm sido disparados a cada 15 minutos,
religiosamente todos os dias, nesses últimos setenta
anos. "Nunca imaginaria que um sino acabasse na Justiça",
ironiza. Numa batalha quase solitária, ele busca aliados
para evitar que a fachada da basílica do Carmo não
despenque -mas, por enquanto, está de mãos vazias.
Tombada pelo patrimônio histórico, a basílica
do Carmo tem uma peculiaridade. Foi construída por
arquitetos modernistas, influenciados pelo escritor Oswald
de Andrade, que, na juventude, seduzia-se pela congregação
dos carmelitas. "Por causa dessa influência, a
fachada serviu como uma experiência para repensar o
barroco mineiro, muito europeizado."
Todo esse charme, acrescido de afrescos, esculturas, móveis
e pinturas do século 17, faz com que a igreja seja
procurada para casamentos de famílias ricas. Mas o
dinheiro só fica nas cerimônias. "É
desesperante ver pedaços de pedra de arenito mineiro
despencarem de uma obra de arte."
A igreja não possui nem ao menos os R$ 26 mil que custariam
o projeto de reforma da fachada -muito menos o dinheiro para
executar as obras de restauro. Hoje à noite, frei Sílvio
e um grupo de amigos da basílica vão tentar
levantar recursos promovendo um jantar no claustro. Seu projeto,
porém, é bem mais ambicioso do que o restauro:
quer abrir aquele espaço à comunidade.
Uma de suas idéias é fazer concertos periódicos,
usando uma de suas preciosidades -um imenso órgão
alemão da década de 1920. "Gostaria de
reunir corais." Mas o maior ganho para o bairro, onde
quase não há áreas verdes, seria o acesso
público ao jardim do claustro, silencioso, com os pássaros
sobrevoando as árvores frutíferas e as carpas
nadando num chafariz, tudo isso reservado aos momentos de
meditação dos frades que moram ali no convento.
É como se o tempo tivesse parado.
Se depender de frei Sílvio, esse jardim seria compartilhado
pelos moradores, especialmente os idosos, para jogos e leitura.
Mas não se sabe até quando o claustro continuará
um paraíso perdido. "Por incrível que pareça,
só não transformamos esse oásis verde
em espaço público porque não temos como
arcar com o pagamento de um segurança."
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