O projeto
de Jaime Lerner pretende integrar a hoje degradada região
da Luz a centros culturais e museus
Aos 67 anos, sem pretensões
eleitorais, Jaime Lerner, renomado mundialmente devido às
experiências que desenvolveu em Curitiba, resolveu dedicar-se
ao prazer do que batizou de acupuntura urbana: são
pequenas intervenções num ponto da cidade, que,
como uma agulha espetada no corpo, tenham efeitos "terapêuticos".
Ele vem recebendo convites de prefeituras, dentro e fora do
Brasil, para dar idéias sobre como revitalizar áreas
deterioradas. Um dos projetos que mais o seduzem, neste momento,
é colocar uma "agulha" na infeccionada "cracolândia",
o apelido do bairro da Luz, em São Paulo.
Com apoio de oito grandes construtoras, desenhou um plano
para fazer daquele bairro uma espécie de incubadora
de artistas e de empresas de tecnologia da informação.
"Raras vezes vi um lugar tão propício para
fascinar toda uma cidade."
O que antes simbolizava a riqueza paulistana, com a chegada
de estrangeiros de todo o mundo, virou a síntese da
deterioração urbana. Por causa dos meninos e
meninas fumando crack impunemente, a Luz passou a ser conhecida
como "cracolândia" -uma terra sem lei, dominada
por traficantes e rufiões, com complacência das
autoridades, onde as agulhas mais conhecidas serviam para
injetar drogas.
No início do ano, seus 110 mil m2 foram declarados
de utilidade pública e transformados em um miniparaíso
fiscal para quem quer investir e pagar menos imposto. "Só
esses incentivos já atrairiam normalmente muita gente",
acredita Lerner.
Atraíram, por exemplo, construtoras atrás de
áreas para erguer prédios nos locais com melhor
infra-estrutura -possibilidade cada vez mais rara na cidade.
Tiveram, então, a iniciativa de entregar à prefeitura
o plano do ex-prefeito de Curitiba.
Pelo plano, os empresários comprariam e derrubariam
os imóveis sem valor histórico; em caso de alguma
resistência, a prefeitura faria a desapropriação.
Construiriam prédios baixos para escritórios
e residências, com áreas de convivência
que comporiam pequenas praças. "É fundamental
que as pessoas não só trabalhem mas morem lá."
Duas torres se destacariam. Uma, destinada a empresas de tecnologia,
chamada de "aldeia digital". A outra seria a "aldeia
das artes", onde pintores, cantores, atores, fotógrafos,
produtores de vídeo, vivessem e trabalhassem. No andar
térreo, usariam de graça auditórios e
salas de exposições para mostrar suas obras.
Assim, segundo Lerner, haveria uma integração
com a Sala São Paulo, a Estação Pinacoteca,
a Pinacoteca, a Universidade Livre da Música, o Museu
da Língua Portuguesa e as esculturas do parque da Luz.
O efeito acupuntura ocorreria porque, na visão dele,
se estabeleceria, a partir dali, uma conexão espacial
com o Teatro Municipal, os centros culturais da Caixa Econômica
Federal e do Banco do Brasil, a sala de concerto do Colégio
São Bento, além da rede de teatros que vai da
praça Roosevelt ao Bexiga.
Mas o que, de fato, anima o arquiteto sobre a viabilidade
de transformação da "cracolândia"
é um detalhe nada desprezível. Como as construtoras
têm interesse em ganhar dinheiro vendendo seus novos
prédios na "cracolândia", não
haveria custo para o poder público.
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