Daniel
Beato tem um plano: disseminar o aprendizado de reciclagem
artística de pneus a todo o país
Maria Aparecida Beato pediu a Daniel, seu filho, que se livrasse
da montanha de pneus velhos que se avolumavam na garagem.
Estava, sem saber, ajudando-o a descobrir ao mesmo tempo uma
vocação artística e uma profissão.
"Os pneus viraram a minha grande paixão",
conta Daniel, formado em desenho industrial na faculdade Belas
Artes.
Daniel não seguiu a ordem materna. O amontado caótico
de borracha transformou-se em matéria-prima para objetos
decorativos. Não foi difícil convencer a mãe
a manter a bagunça na garagem. Professora de artes,
ela sempre estimulou as experiências culturais do filho.
"Meu quarto era também um ateliê. As paredes
serviam de telas, e os móveis eram feitos de reciclagem.
Meus amigos sempre tinham uma ponta de inveja dessa minha
liberdade." Concluída a faculdade, ele não
estava disposto a desenhar produtos para as indústrias
-os pneus o conduziram a inventar uma profissão.
O curso de desenho industrial não lhe foi inútil
-assim como não foram inúteis as experiências
em seu quarto de adolescente. Na faculdade, Daniel tinha se
interessado pelos móveis com material reciclado criados
pelos irmãos Campanha, brasileiros que se destacaram
no design mundial. Daí tirou parte da inspiração
para elaborar os mais diferentes produtos a partir dos pneus:
cadeiras, mesas, vasos, lixeiras, luminárias, brinquedos,
balanços, camas, chinelos. "Matéria-prima
não falta, usamos o que seria jogado fora e provocaria
poluição."
A descoberta desse nicho foi ocasional. Seus produtos vinham
sendo usados, em algumas feiras de artesanato, como suporte
para expor roupas e bijuterias, mas não estavam à
venda. "Muita gente se interessou em comprá-los."
Mas o que seria um negócio pessoal reciclou-se numa
experiência batizada de "arte em pneus".
Com o patrocínio de duas empresas (a rede de estacionamentos
Estapar e a Goodyear), ele começou a percorrer cidades
para ensinar
as pessoas, especialmente os jovens, a fazer dinheiro ou mobiliar
suas casas com os pneus velhos. Na Bahia, por exemplo, meteu-se
por vários meses num quilombo remanescente. Até
agora, 140 pessoas já foram capacitadas a tirar seu
sustento desse tipo de reciclagem.
O campo de experimentação vai, aos poucos, ficando
tecnologicamente mais ousado. Daniel foi convidado a desenvolver
uma caixa-d'água de baixo custo e até mesmo
partes de uma casa usando os pneus mesclados com vários
outros materiais descartados.
Daniel passou a ser chamado por empresas que não sabiam
o que fazer com materiais que iriam para o lixo. Só
recentemente ele descobriu que essa atividade tinha um nome
pomposo: consultor de resíduos sólidos. Mas
seu projeto quer rodar mais longe -o plano é disseminar
o aprendizado de reciclagem artística de pneus por
todo o país, numa tentativa de reinventar a roda.
Arte
em Pneus
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Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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