Como
uma escola dentro de um dos principais centros de saber do
mundo não é vista como modelo de excelência?
Quando lançou o Instituto do Câncer, a Universidade
de São Paulo propôs-se a reunir alguns de seus
melhores talentos, espalhados em diversos cursos, para descobrir
novas terapias destinadas a enfrentar os tumores -há
projetos de desenvolvimento até mesmo de medicamentos.
Ninguém considerou despropositadas tais ambições
porque sempre se associou a imagem daquela universidade, especialmente
na medicina, à inteligência e ao rigor acadêmico.
Por esse motivo, me pareceu um mistério tão
complexo como o do surgimento dos tumores um fato, divulgado
na semana passada, dez dias depois da inauguração
do instituto.
No indicador de qualidade de ensino estadual (Idesp - Índice
de Desenvolvimento da Educação do Estado de
São Paulo), divulgado na última quinta-feira,
a Escola de Aplicação, vinculada à Faculdade
de Educação da USP, ficou longe dos primeiros
lugares -seu terceiro ano do ensino médio está
em 42º lugar, a oitava série ficou em 53º.
Uma das explicações da direção:
falta de professor de matemática. "Desde o começo
do ano estamos com seis professores a menos e ainda não
foram contratados", afirma o diretor Vanderlei Pinheiro
Bispo. "Estamos fracassando", reconhece.
O mistério a desvendar é o seguinte: como uma
escola localizada dentro de um dos principais centros de saber
do mundo, transbordando de pesquisadores, não é
vista como um modelo de excelência? Note-se que a maior
parte dos 733 alunos são filhos de professores e de
funcionários da universidade -não se está
falando aqui de uma paisagem humana típica da periferia.
O fato objetivo é que há escolas em lugares
muito mais pobres, que contam com escassos recursos e cujo
desempenho é bem superior ao da Escola de Aplicação.
É esse o caso da Papa Paulo 6º, na periferia de
Santo André (ABC).
Será que é mais fácil tentar revelar
novos tratamentos contra o câncer do que fazer um jovem
dominar as habilidades da língua portuguesa?
Esse mistério faz parte do aprendizado brasileiro,
cada vez mais intenso, sobre as deficiências de seu
capital humano. Graças à evolução
dos indicadores, somos hoje capazes de detectar detalhes até
há pouco tempo invisíveis.
É como se tivéssemos um tomógrafo -aliás,
uma das promessas do instituto é apresentar as imagens
mais precisas e precoces para prevenir o crescimento dos tumores.
Além da divulgação da lista do Idesp,
ocorreram, durante a última semana, os mais diversos
sintomas desse movimento de transparência.
Um exemplo veio de Pernambuco, onde 94% dos candidatos às
vagas de professor na rede estadual foram reprovados por falta
de qualificação.
Em tempo: o sindicato, que nunca protestou contra a reprovação
dos alunos, entrou na Justiça para contestar a validade
do exame.
Num debate realizado na Folha, na quinta-feira à noite,
o ministro da Educação, Fernando Haddad, cobrou
de empresários mais eficiência e transparência
na administração do chamado sistema S (Senai
e Senac, por exemplo). Na sua opinião, eles podiam
fazer mais, aumentando a oferta de cursos gratuitos.
Outro participante do debate, o economista Cláudio
Haddad, foi mais longe: chamou o sistema S de "caixa-preta"
e disse que, com o mesmo dinheiro investido ali, seria possível
fazer muito mais.
O ministro ouviu de volta que o governo desperdiça
os recursos destinados à formação profissional
e foi obrigado a admitir que isso é verdade. Vemos
a todo momento notícias sobre esse desperdício,
algumas das quais extrapolando a questão educacional
e descambando para a policial. O consenso é a falta
de mão-de-obra qualificada, um dos gargalos do crescimento
econômico.
Nessa tomografia computadorizada, vamos aprendendo a ver
novas imagens das células sociais e tentamos entender,
por exemplo, como diretores, professores e pais de alunos
de uma escola como a Papa Paulo 6º conseguem fazer tanto
com tão pouco -ao contrário do exemplo da USP,
onde se faz tão pouco com tanto, considerando as potencialidades
disponíveis.
A curiosidade que aqueles indivíduos da periferia de
Santo André provocam é semelhante à que
teríamos por pesquisadores capazes de desvendar o mistério
do câncer.
PS- Coloquei neste
link relatos de casos de educadores que estão ensinando
como fazer muito com pouco, oferecendo-se como laboratórios.
Não fazem nada de misterioso ou complexo -apenas mostram
que ensinar a ler e a escrever é bem mais fácil
do que curar um câncer. Postei também as explicações
(muito transparentes, diga-se) da direção da
Escola de Aplicação.
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