Atriz
e cantora, Elisa criou, no Rio, uma escola para ensinar a
declamar -e foi então que sentiu o poder de uma poesia
A atriz Elisa Lucinda criou o que batizou de "pronto-socorro
poético", ao receitar (e, às vezes, recitar)
poemas para amigos e desconhecidos que passam por crises emocionais.
Para cada problema, da separação conjugal à
morte de um parente, ela encontra o poema que talvez ajude
a pessoa a compreender melhor a sua dor ou, pelo menos, aquele
cuja leitura a faça sentir que não está
só. "Acredito no poder de encantamento da palavra."
Entre os seus "pacientes" preferidos estão
os estressados e cansados professores de escolas públicas,
vítimas das mais diferentes pressões e frustrações.
Um grupo deles começou a se reunir, nas tardes de sábado,
num teatro da cidade de São Paulo, onde aprendem gratuitamente
a declamar. "O objetivo mesmo é fazer com que
tenham contato com suas emoções e se expressem."
O projeto final é realizar um recital público
-o que deixa muitos professores apavorados, com medo da reprovação
da platéia, reflexo da sua baixa auto-estima. Para
esses casos, um dos remédios indicados pela atriz é
um texto de Adélia Prado sobre o medo.
Quando tinha 11 anos e ainda morava em Vitória (ES),
Elisa Lucinda, estudante de uma escola de freiras, teve aulas
particulares de declamação. Um de seus primeiros
textos, intitulado "Mão Boba", foi inspirado
nas confissões ao padre. "O prazer da poesia entrou
na minha vida e não saiu nunca mais." Outra poesia
nasceu de uma conversa com uma freira da escola, que assim
justificava o celibato para a aluna que descobria a sexualidade:
"Sou noiva de Cristo". A menina retrucou: "E
se não existir vida depois da morte?" A freira,
surpresa, deixou escapar: "Nem me fale uma coisa dessas!".
Demorou muito tempo até suspeitar que estava ali seu
futuro profissional. Por gostar de se expressar, tentou várias
atividades, entre as quais o jornalismo de televisão.
Ao mesmo tempo em que trabalhava como atriz e cantora, Elisa
criou, no Rio, uma escola para ensinar a declamar -e foi então
que sentiu o poder de uma poesia. Em oficinas pelo Brasil,
acabou se deparando com as dores de professores, obrigados
a se expressar, mas frustrados, cansados e acuados. "Muitos
deles pareciam nem saber ler direito. Falavam olhando para
o chão."
Elisa queria mostrar-lhes que a poesia estava em tudo e em
qualquer lugar. Até na fumaça de um café
com leite. Dependia apenas, dizia ela, do olhar.
Em um caso, Elisa viu que seu ensinamento foi às últimas
conseqüências com uma professora, que, algum tempo
depois de terminado o curso, mandou-lhe uma carta. Contou
que aprendera a ver poesias nas mínimas coisas. Num
pingo de água da chuva se suicidando no vidro. No riso
dos filhos. No cheiro do café da manhã. Só
não conseguiu, por mais que tentasse, ver poesia no
marido -a carta era para agradecer a ajuda que teve para tocá-lo
para fora de sua vida.
PS - Muito tempo depois, Elisa encontrou a freira que tinha
noivado com Cristo. Estava de maiô na praia -talvez
tivesse se deixado influenciar pela menina que desconfiava
da vida depois da morte.
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
|