No filme,
Philippe Barcinski fez da cidade, e, em especial, de seu trânsito,
um misto de cenário e protagonista
As aulas de dinâmica de fluidos na faculdade de física
tiveram uma utilidade inesperada na vida de Philippe Barcinski:
construir o roteiro de seu filme "Não por
Acaso", lançado comercialmente nesta semana.
Isso porque seu professor explicava a teoria usando o trânsito
de automóveis - os veículos eram apresentados
como os fluidos em movimento.
"Disso surgiu a idéia de criar um personagem que
fosse engenheiro de trânsito, tentando controlar a realidade",
conta. Na engenharia de tráfego, usam-se fórmulas
matemáticas para tentar dar alguma previsibilidade
ao fluxo humano. Mas, provavelmente, os conhecimentos de física
não teriam essa inspiração se ele próprio
não se movimentasse tão radicalmente. Deixou
o curso de física na PUC do Rio para estudar cinema
na USP. "Não é fácil trocar aquela
beleza tão explícita por uma cidade tão
tumultuada como São Paulo."
Os primeiros tempos foram de tristeza, de lembrança
dos amigos, da informalidade, das praias. Imaginava que voltaria.
"Eu morava no Jardim Botânico, e o Rio era a extensão
da minha casa", conta. Sua paixão por filmes foi
cultivada, como se deu com muitos de sua geração,
no Cine Estação Botafogo.
Assim como, ao deixar a física, teve de aprender
uma nova carreira, precisou descobrir os códigos de
uma nova cidade - e, nisso, se completou o aprendizado para
fazer "Não por Acaso", seu primeiro longa-metragem.
Ele foi percebendo que, ao contrário do Rio, São
Paulo não tem uma beleza óbvia, "na cara".
"A beleza aqui precisa ser descoberta e necessita de
imaginação." Revelado esse código,
ensina, o indivíduo deixa de se sentir estranho.
No filme, Barcinski fez da cidade, e, em especial, de seu
trânsito, um misto de cenário e protagonista,
no qual se vive a sensação de perda de controle,
contra a qual brigam os personagens -um deles, o engenheiro
da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego); outro,
um jogador de bilhar (Rodrigo Santoro), mais um a tentar gerenciar
os movimentos.
Fora das telas, o esforço de Santoro foi perder o sotaque
carioca. "Em São Paulo, existe a vontade coletiva
de planejar as saídas; as escolhas dependem quase sempre
da geografia. Escolhe-se a escola, o médico, o dentista,
o terapeuta, tudo perto de casa."
Nessa dinâmica de desencontros, ele tentou contar uma
história de amor, ou seja, da busca de um encontro,
na qual aparecem algumas das mais conhecidas paisagens paulistanas,
especialmente as do Bexiga.
Nessa conjunção de aprendizados, dentro e fora
da tarefa, Barcinski acredita que já "enquadrou"
São Paulo. Em "Palíndromo", um de
seus curtas, o cenário é a avenida Paulista.
Para o próximo filme, ainda em estudo, deve ser o bairro
de Higienópolis. "São Paulo virou a minha
cidade; não tenho mais planos de voltar para o Rio."
Nem precisou, como Santoro, perder o sotaque para se sentir
em casa.
Veja
o trailer
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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