Há
inúmeros estudos que mostram que considerável
parcela dos crimes está associada ao consumo de álcool
Projeções oficiais indicam que, até
o final do ano, a cidade de São Paulo produzirá
uma situação até pouco tempo atrás
(pouquíssimo, aliás) inimaginável. Teremos
mais mortes violentas provocadas pelo trânsito do que
por assassinos. Combinam-se uma ótima e uma péssima
notícia.
Documentos produzidos por técnicos especialistas em
segurança estimam que a cidade vá ter uma redução
de aproximadamente 80% na taxa de assassinatos, seguindo tendência
iniciada em 1999. A projeção é feita
com base na verificação do número de
ocorrências deste primeiro semestre, sustentando a aposta
de que, até o final do ano, serão 1.600 as vítimas
de assassinato.
No caminho inverso, o número de mortes no trânsito
não pára de crescer e, se permanecer a tendência
dos primeiros meses do ano, haverá em torno de 2.000
mortos até o fim de 2008.
Os motoristas passam a ser, portanto, os maiores responsáveis
pelas mortes violentas e essa situação, por
si só, constitui um dos principais argumentos no debate
sobre o esforço de implantação de uma
norma já apelidada de "lei seca" -para que
ninguém dirija alcoolizado.
Ocorre que não se está proibindo ninguém
de beber -apenas se pede às pessoas que, se beberem,
não dirijam.
O próprio apelido de "lei seca" já
revela a impopularidade da medida, que começou a ser
aplicada nesta semana, em meio à opinião pública.
Para muita gente, esse tipo de limitação ao
prazer é tramado por um grupo de "chatos",
incapaz de apreciar os prazeres da vida.
Esse é mais um ingrediente para tentar entender porque
é tão difícil brigar com a indústria
da bebida, em especial a da cerveja, com suas bilionárias
campanhas publicitárias, que habilmente associam álcool
com jovialidade, felicidade e sensualidade. Usam-se ídolos
populares, como Zeca Pagodinho e Ivete Sangalo, para vender
essa ligação entre bebida e felicidade.
A batalha contra o cigarro é dura, mas menos difícil.
Enquanto certa dose de álcool -especificamente o vinho
tinto- pode fazer bem para a saúde, o fumo, comprovadamente,
provoca o câncer. Nos últimos tempos, divulgaram-se
pesquisas que revelaram que o cigarro aumenta o risco de impotência
sexual e até o de calvície -para muita gente,
por incrível que pareça, ser "broxa"
e careca é algo tão ou mais grave do que desenvolver
um tumor maligno.
Os pais se incomodam muito mais quando seus filhos fumam maconha
do que quando tomam um "porre" -e isso é
verdade mesmo entre os muitos deles que sabem que, estatisticamente,
o principal motivo de internações psiquiátricas
no
Brasil é a bebida.
Há estudos e mais estudos que demonstram que considerável
parcela dos crimes está associada ao consumo de álcool,
fator responsável por atropelamentos, homicídios
e violência doméstica, entre outros delitos.
É claro que nada disso deve diminuir a preocupação
com as drogas ilícitas. Na semana passada, a ONU divulgou
um relatório em que mostra o Brasil na liderança
do aumento de consumo de drogas como maconha, cocaína
e ecstasy. Segundo o relatório, o país tem hoje
850 mil consumidores de cocaína.
Apesar de também envolver verbas bilionárias,
a proposta do Ministério da Saúde, lançada
na semana passada, de limitar a propaganda de alimentos que
estimulem a obesidade infantil, conta com apoio considerável
da população, a começar das mães
e dos pais das crianças.
A aceitação cultural explica a permissividade
em relação ao álcool e acaba favorecendo
tramas clandestinas contra a saúde pública,
defendida pelos "chatos", sempre munidos de suas
aborrecidas estatísticas. Essa é uma das razões,
entre outras inconfessáveis, que ajudam a indústria
da cerveja a mobilizar políticos e a impedir restrições
à sua propaganda. Isso mesmo que qualquer indivíduo
minimamente letrado saiba que a cerveja, por seu teor de álcool,
pode ser considerada uma droga psicoativa, capaz de alterar
os estados mentais.
O que vemos agora é uma indignação generalizada,
especialmente dos jovens, com a ação da polícia
-o que, aos seus olhos, torna a bebida ainda mais transgressoramente
sedutora. Imaginam-se resistindo contra a repressão.
Acabam estimulados (com certa razão), no ataque à
lei, por notícias de que foi punido quem comeu dois
bombons de licor ou usou anti-séptico bucal; excesso
no rigor pode ter o efeito colateral de ausência de
punição.
Há uma desigual guerra de comunicação,
como se, de um lado, estivesse o espírito jovial e,
de outro, os educadores "chatos". A julgar pelo
número de mortes associadas ao álcool, como
mostra o trânsito de São Paulo, os "chatos"
estão perdendo a batalha para a alegria sóbria
de quem está faturando com a irresponsabilidade social.
PS- Se houvesse um prêmio para a irresponsabilidade
social, o sindicato dos professores da rede estadual de São
Paulo seria um forte concorrente. Está conseguindo
manter uma greve nada sóbria contra medidas que reduzem
(levemente, diga-se) a rotatividade dos professores nas escolas,
uma das causas da baixa qualidade de ensino. Além disso,
posiciona-se contrariamente às medidas que tentam reduzir
o absenteísmo e que premiam as escolas pelo seu desempenho.
Certamente o sindicato não ganharia o prêmio,
por exemplo, daqueles que usam a inteligência para associar
a bebida alcoólica à juventude nem dos governantes
que deixaram a educação chegar a condições
tão precárias, mas não faria tão
feio assim na disputa.
Juventude
e bebida alcoólica
Tire
suas dúvidas a respeito da nova lei seca
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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