Jornalista
fez de sua rotina "massacrante" como operador de
telemarketing tema
de livro-reportagem
Júnior Barreto queria virar
escritor por uma única razão: relatar sua vivência
no mundo do telemarketing. Nem precisaria sair da cadeira
para realizar sua investigação. Havia nove anos
estava metido, quase todos os dias, num call-center. "Testemunhei
humilhações cotidianas", conta.
Filho de migrantes cearenses, Júnior veio com três
anos para São Paulo, onde, ainda adolescente, foi vendedor
de banca de jornal e contínuo. Aos 18 anos, conseguiu
seu primeiro emprego em um call-center. "É um
dos poucos lugares que aceitam jovens com pouca experiência."
Por isso, muitos, segundo ele, se submetem a humilhações
como só poder ir ao banheiro a cada seis horas ou ter
de colocar em sua mesa, como punição, a escultura
de uma tartaruga. Incomodava-o ver como os operadores davam
informações mecanicamente, sem entender direito
o que liam, obrigados a seguir o "script". "Quem
não seguia o "script" era advertido."
Viver de telemarketing, no entanto, era o que lhe garantia
pagar a mensalidade da faculdade de jornalismo, onde preparava
seu livro.
Não teve a menor dificuldade
para escolher o tema de seu TCC (trabalho de conclusão
de curso), cujo título é "Linha de frente
- Os bastidores do telemarketing". A rotina do operador,
obrigado a falar sobre empresas ou produtos que não
conhece, é um massacre psicológico. "Há
tantas regras para seguir, que um indivíduo fica descaracterizado.
Você não é mais você, tudo é
uma representação. Existe um segundo eu, uma
sombra contínua."
À medida que escrevia seu livro-reportagem, Júnior
foi percebendo que, além do jornalismo, resvalava a
psicologia -escrever servia de válvula de escape.
"Colocar tudo no papel, relembrar as histórias,
era como se eu estivesse numa terapia. Sentia como se estivesse
recobrando integralmente minha identidade."
Diante do computador, só havia uma ordem a dele próprio.
"Agora, quem mandava no "script" era apenas
eu."
A "terapia jornalística" foi longe -sabia
que, depois de contar sua história, não teria
mais condições psicológicas de voltar
para qualquer call-center. Apresentado o TCC, no final do
ano passado, ele decidiu pedir uma licença do emprego
para se dedicar à publicação do livro.
Conseguiu, por enquanto, fazer um único exemplar artesanal,
graças à ajuda de amigos que trabalham num sindicato.
Nem sabe se conseguirá fazer mais cópias nem
se conseguirá virar repórter. Ainda não
conseguiu escapar do anonimato que viveu no call-center, mas
pelo menos já tem uma história para contar.
É bem mais do que apenas um "script" para
repetir.
PS- Coloquei abaixo trechos
do livro de Júnior Barreto:
Capítulo
1: Primeiros passos
Capítulo
18: Como é ser operador?
Capítulo
31: Raio-x do callcenter
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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