Galpão
abandonado será usado para ajudar a refundar espaço
que parecia condenado
ao desperdício de talentos
Dominado à noite por prostitutas e travestis, em meio
a mendigos estendidos nas calçadas, o início
da rua Augusta, próximo da região central, era
até pouco tempo atrás um dos símbolos
da decadência paulistana -um de seus cheiros característicos
era o de clorofila que vinha com o vapor das saunas das boates.
Exatamente nesse trecho, Alexandre Youssef começa amanhã
a tentar revelar novos talentos. "Ali está o futuro",
afirma, ao apostar numa espécie de refundação
daquela rua.
O sentido da refundação está mais ligado
à memória do que a qualquer vivência de
Youssef -ele nunca viu esses tempos da Augusta, que, no passado,
era o pólo de lançamento de modas da cidade,
atraindo inovadores. "Basicamente, eu só vi problema."
A vanguarda cultural que deixava a região do centro
-o Bixiga também entrava em decadência- passou
a girar em torno da Vila Madalena.
Ao ser responsável artístico por um novo espaço
para reconhecimento e difusão de talentos musicais
brasileiros, Youssef está fazendo um caminho de volta.
Está deixando a Vila, levando o Studio SP, rumo ao
centro. "Não vejo mais no bairro os artistas e
os produtores de vanguarda."
A preparação para esse tipo de migração
é resultado, de fato, de uma refundação
da Augusta, provocada por uma rápida mudança
de paisagem humana. Grupos de teatro se mudaram para a praça
Roosevelt, casas de baladas como Vegas, Outs, Inferno e Studio
Roxy trouxeram jovens de classe média, que estavam
limitados às fronteiras do cine Unibanco, a poucos
metros da avenida Paulista. Tudo isso vai se misturando agora
a diferentes tribos de punks (uma deles de vegetarianos),
intelectuais, jornalistas, emos, gays (duas casas de balada
se especializaram apenas em lésbicas), cada qual com
seus bares e restaurantes.
Abriu-se até um restaurante 24 horas. "É
a melhor síntese da diversidade paulistana", diz
Youssef, que conheceu a cultura subterrânea da cidade
por ter sido assessor para assuntos da juventude na gestão
Marta Suplicy na prefeitura.
O Studio SP nasceu dessa percepção da riqueza
e da diversidade cultural da cidade, boa parte dela clandestina,
e tratou de aliar música e arte urbana. Na prefeitura,
Youssef foi um dos responsáveis pela disseminação
da arte do grafite.
O projeto do Studio SP ficou pequeno para a Vila Madalena,
na visão de Youssef. Os artistas novatos que lá
se apresentavam reuniam, inicialmente, cerca de 50 pessoas.
"Agora, às vezes atraem 400 espectadores. Precisávamos
de um lugar melhor. Mas que tivesse a cara de uma cidade antenada."
Amparado por um grupo de empresários ligados à
música e à culinária, ele não
teve dúvida quando viu, pela primeira vez, uma galpão
abandonado na rua Augusta -logo sentiu o gosto de ajudar a
refundar um espaço que, até pouco tempo, parecia
condenado não à descoberta, mas ao desperdício
de talentos. Daí que uma das propostas do novo espaço
é oferecer diariamente um show gratuito.
Links relacionados:
Rua
Augusta inspira filme
Rua
Augusta é meu antídoto contra a monotonia, por Ricardo Oliveros
Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo,
editoria Cotidiano.
|