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Erika Vieira
Já musa inspiradora de músicas
e literatura, agora a rua Augusta passa a ser cenário
de cinema. “A rua Augusta é um local da nossa
urbanidade muito especial, há quatro décadas
é um espaço que se mistura uma liberdade sem
igual. Há uma convivência tão pacífica
do submundo com figuras artísticas que nem parece que
estamos no Brasil. Jovenzinhas transitam sem nenhuma tensão
no meio das putas. As pessoas andam nas ruas para trabalhar,
a lazer ou moram lá sem nenhum medo”, diz o cineasta
Francisco César Filho. Mais conhecido como Chiquinho,
ele escolheu uma das ruas mais clássicas de São
Paulo para rodar o filme, e o nome não podia ser outro
se não “Augustas”.
“Em Londres não
tem uma rua Augusta que até as 5h, 6h da manhã
fica fervilhando de gente. Você chega numa sexta a noite
e fervilha de gente. 5 horas da manhã o trânsito
está cheio”, fala Chiquinho fascinado pela singularidade
da via. E foi essa singularidade que ele encontrou bem exposta
no livro “A Estratégia de Lilith”, do jornalista
Alex Antunes. Decidiu então adaptar a obra para o cinema.
“O que me atraiu para transformar em filme foi uma atmosfera
da cidade de São Paulo que eu nunca tinha visto. A
São Paulo que vivo há 50 anos nunca tinha sentindo
tão bem quanto estava retratada no livro.”
O filme narra momentos da vida de
um jornalista morador da rua Augusta, que demitido de seu
emprego e rompido seu relacionamento com a chefe e amante,
se embrenha em inusitados universos, como o da prostituição
e o dos rituais neo-xamânicos de transe.
Augustas mostra uma cena urbana não
moderna, mas também não decadente. “Não
queremos personagens estereotipados como mendigos bêbados
nem pessoas moderninhas. Mas sim prostitutas que trabalham
com dignidade, jovens boêmios mas não necessariamente
drogados, vamos mostrar como a rua tem personalidade própria.”
Pessoas da comunidade local eram o
elenco de apoio. Toda gravação foi feita em
locações da própria via. “Escolher
os lugares para gravar foi uma agradável surpresa.
Por mais que você conheça a rua sempre tem locais
para você descobrir, butequinhos mínimos, portinhas
mil.” Esse é um tipo de descoberta que deixa
Chiquinho ainda mais apaixonado por sua musa, com a qual tece
um caso de amor há décadas. “Muita coisa
já me aconteceu naquela rua. Na década de 80,
por exemplo, morei na Consolação com a Dona
Antônia de Queiroz e eu sempre ia bater um prato na
Augusta.”
Nascido em São Paulo o cineasta nunca cogitou em se
afastar da capital. Ele lembra que na década de 60
a cidade se modificava rapidamente, construções
eram demolidas e novas erguidas. “Essa cidade é
movida por um espírito de transformação.
Na Augusta você sente esse dinamismo na pele.”
Até o bairro do Jabaquara, onde Chiquinho foi criado,
deixou de ser zona rural e passou a se urbanizar com certa
velocidade.
Mesmo fascinado pelo centro, hoje Chiquinho opta por morar
em Pinheiros. “Moro em Pinheiros para não andar
mais de automóvel. Boa parte das minhas atividades
dá para fazer a pé. Até o transporte
público pode funcionar em Pinheiros porque tem um corredor
de ônibus.”
Inserido no cinema pela USP
(freqüentou as aulas de cinema na ECA, mas se formou
no curso de Filosofia da USP), em 1984, sempre estudou em
escolas públicas, tendo estas como cenários
que se interligam com o resto da cidade deixando marcas importantes
na sua vida. “O vestibulinho para a Escola Técnica
Federal eu fiz no Estádio do Morumbi."
Apesar de ser tão bem relacionado com sampa ele considera
a população desgarrada da cidade. “Em
São Paulo a gente não tem uma cultura local,
uma música genuinamente paulistana, a gente é
meio desgarrado, não nos apropriamos bem do espaço
da cidade.” As outras pessoas até podem ser desgarradas,
porém Chiquinho, esse sim parece estar com pés
bem fincados na capital paulista, mais precisamente na rua
Augusta. “Espero que no final do filme consigamos transmitir
algo pulsante. Passar um exemplo de como é possível
uma megalópole viver com certa harmonia.”
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