No domingo passado , quando viu
homens da prefeitura aproximando-se ameaçadoramente,
com motosserras em punho, do frondoso fícus localizado
diante de seu apartamento, a artista Giselda Leirner, de 75
anos, entrou em desespero. Desceu correndo e, arquejando,
implorou-lhes que aguardassem. Telefonou para repartições
públicas à procura de uma salvação.
Ninguém atendia. "Parecia um pesadelo." Assistiu,
impotente, lágrimas no rosto, ao melancólico
espetáculo: as folhas iam desaparecendo ao som da serra
elétrica.
A paisagem de sua janela, na rua Rio de Janeiro, em Higienópolis,
tinha ficado mais triste. A copa do fícus fora extirpada,
restou um tronco quase sem folhas. Era, em menos de 15 dias,
o segundo ataque a uma árvore em frente ao edifício
onde mora. "Adorava ver aquela exuberância verde,
era como se fizesse parte da minha casa."
O culto da estética sempre fez parte da vida de Giselda.
Ela é irmã de Nelson Leirner, um dos expoentes
da arte contemporânea brasileira, e filha de Felícia,
escultora mundialmente reconhecida. Assim como as artes plásticas,
a intimidade com a natureza a acompanha desde os tempos de
menina, quando morava no Bom Retiro. Bastava dar uns passos
e chegava ao Jardim da Luz, cenário em que, entre brincadeiras
e fantasias, cultivou a paixão pelas árvores.
Adulta, montou um ateliê na serra da Cantareira, onde,
além de pintar seus quadros, plantava os mais diversos
tipos de árvore. "Sei o que é podar e sei
o que é mutilar. O que a prefeitura fez foi mutilação.
E isso é uma irresponsabilidade", acusa. A prefeitura
se defende alegando ter sido chamada por um morador incomodado
com as folhas que entravam pelo seu apartamento.
Giselda conseguiu, porém, uma pequena vitória.
Grudou no tronco do fícus uma folha de papel, uma espécie
de manifesto, em que teceu críticas ao que considerou
um ato de brutalidade ecológica. Ajudou a criar um
clima de revolta e a chamar a atenção da mídia
-afinal, a região é tombada e mexer numa árvore
exige uma série de autorizações. Com
esse singelo protesto, tornou-se, na semana passada, o principal
assunto de Higienópolis. "Quem sabe, da próxima
vez, eles pensam duas vezes."
Esta coluna é publicada originalmente
na Folha de São Paulo, na editoria Cotidiano.
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