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O bibliófilo José Mindlin descobriu, em
uma casa em Pinheiros sem nenhuma placa ou letreiro, um tesouro
japonês. É uma coleção de folhas
de papel delicadíssimas, cujas fibras são extraídas
da casca de amoreiras. O demorado processo artesanal -as fibras
são banhadas em águas de geleiras, passando
por várias lavagens de diferentes temperaturas- é
transmitido há séculos entre famílias
japonesas.
Graças a essa descoberta, Mindlin
consegue o material ideal para restaurar e preservar livros
antigos de sua biblioteca. Aquela discreta casa é o
único lugar da América Latina a receber esses
papéis, conhecidos como washi, cuja produção
e distribuição são controladas por confrarias
familiares, que agem como se guardassem um segredo. O modo
como as fibras saem das águas das geleiras e desembocam
em São Paulo já mereceria um livro. O personagem
central dessa história se chama Cecília Suzuki,
brasileira filha de imigrantes.
Formada em arquitetura, Cecília
casou-se e decidiu que a principal atividade de sua vida seria
a dedicação à família. Invariavelmente,
acompanhava o marido, Hisashi Suzuki, professor de oftalmologia
da USP, a todos os congressos para ajudá-lo a se orientar
nas viagens. "Meu marido é, além de professor,
inventor. Não vive neste mundo."
Acomodara-se à condição
de coadjuvante, que imaginava ser um destino: na sua casa,
nos tempos de criança e adolescente, sempre ajudara
a cuidar dos mais velhos. Até que teve um estalo. As
fotos exibidas nos congressos de oftalmologia infundiram em
Cecília a idéia de experimentar fazer gravuras
usando como temática os olhos. Enxergou uma nova possibilidade:
o prazer das artes plásticas.
À procura dos melhores
materiais para suas gravuras, soube dos washis, caros e difíceis
de encontrar mesmo no Japão, onde os viu e se encantou
com o seu ritual de fabricação. Ao voltar, ela,
sem saber, estava sendo escolhida. Durante nove meses, a cooperativa
coletou dados sobre Cecília e lhe ofereceu, então,
a oportunidade de ser a única representante do produto
na América Latina. "Jamais pensei em trabalhar
com isso." A proposta jogou-a no mundo reservado das
pessoas que, com suas meticulosas técnicas, através
do restauro, refazem a vida pelo papel.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria
Cotidiano.
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