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Antonio Maschio não sabe quando começou
a beber -"tenho a sensação de que sempre
bebi"-, mas sabe exatamente o ano, o dia, o mês
e a hora em que começou a parar de beber: às
9 horas do dia 14 de março de 1984.
Ao se internar para tratamento, tinha
tocado no limite da autodestruição. Na terça-feira
de Carnaval daquele ano, tomara sete garrafas de vodca. Foi
encontrado pelo jornalista Matinas Suzuki debaixo de um carro
estacionado, falando frases incompreensíveis, e foi
levado às pressas ao hospital. Aparentemente, porém,
ele não tinha motivos para se matar.
Ator e produtor teatral, Maschio criou,
na rua Augusta, o Pirandello, um restaurante em que se juntavam
as mais diversas tribos, da esquerda à direita, passando
por artistas, intelectuais e recatadas senhoras, ao lado de
uma fauna de alternativos.
Pela primeira vez, os gays conquistaram
um ponto de encontro fora do gueto homossexual. Em 1984 a
notoriedade do local era tamanha que fez surgir o livro "Contos
Pirandellianos: Sete Autores à Procura de um Bar".
Escritores como Mário Prata, Caio Fernando Abreu e
Ignácio de Loyola Brandão fizeram do Pirandello
inspiração para seus contos.
No cenário de diversidade radical,
no qual Maschio se postava no centro da festa, insinuava-se
a São Paulo do futuro, em que o PSDB (ainda não
nascido) e o PT (recém-criado), cujos personagens habitavam
o restaurante, tomariam o poder e em que os gays, com suas
gigantescas paradas, tomariam as ruas. "Sempre tive uma
paixão enlouquecida por esta cidade."
Além da euforia, Maschio corroía-se,
silenciosamente, numa persistente melancolia. Filho de pai
viciado em jogo, ele veio ainda criança do interior
para São Paulo, onde morou num porão. O pai
morreu cedo, deixando-o como arrimo de família. O menino
pobre, obeso e homossexual persistiu vivo nas dores do adulto,
que se aliviava na bebida. Ao ser levado para tratamento,
ele pesava 140 quilos e sentia-se em fim de festa. "Pensei
que tudo estivesse acabado." Não estava: acaba
de ser convidado, neste simbólico mês de março,
para criar um espaço cultural público no centro
histórico de São Paulo.
Para marcar os 20 anos de abstenção,
ele prepara uma inusual festa, a ser realizada no próximo
dia 14. Cardápio: bolo, café, sanduíches,
guaraná e brigadeiro. Ao contrário das festas
em geral, começa no café da manhã. Mais
precisamente, às 9 horas.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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