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Ao propor a estatização de vagas nos cursos
de faculdades privadas para facilitar o acesso de estudantes
mais pobres ao ensino superior, o Ministério da Educação
terá a oportunidade de ampliar uma das mais interessantes
estratégias sociais já surgidas no país:
a bolsa-universidade.
Em termos de engenharia de inclusão
social, a bolsa-universidade está para o ensino superior
como a bolsa-escola está para o ensino fundamental.
Ainda pouco conhecida, a experiência, desenvolvida em
São Paulo e em Goiás, é daquelas propostas
que, pela simplicidade e pela eficiência, serão,
mais cedo ou mais tarde, disseminadas. Daí o interesse
pela experiência demonstrado pelo ministro Tarso Genro.
Para ter paga a sua mensalidade, o
aluno é obrigado a prestar serviços comunitários.
Não está, portanto, recebendo um favor, mas,
sim, fazendo uma troca.
No caso de São Paulo, os custos da bolsa são
repartidos entre o governo estadual e a faculdade. A contrapartida
é trabalhar como educador em escolas públicas
nos finais de semana. O programa conta com a parceria da Unesco
e do Instituto Ayrton Senna na capacitação desses
estudantes para atuar nas escolas.
Acaba de ser divulgada uma avaliação
externa da Unesp (Universidade Estadual Paulista) sobre a
experiência, realizada em São Paulo, de abrir
as escolas públicas nos fins de semana -iniciativa
que contou com a participação de universitários.
Caíram os índices de violência, os furtos,
as depredações e as pichações.
A participação dos universitários,
na visão de pais, alunos e professores, foi apontada
como "ótima". Mesmo assim, a avaliação
dos técnicos é que muito ainda deve ser feito
na formação desses estudantes como agentes comunitários
de educação.
A experiência demonstrou ter, pelo menos, quatro óbvias
vantagens: 1) o aluno sem recursos adquire condições
de cursar uma faculdade; 2) o contato com um desafio concreto
amplia habilidades profissionais e até intelectuais;
3) a escola pública ganha apoio de uma mão-de-obra
qualificada; 4) o país produz mais gente com melhor
formação educacional.
Em São Paulo, por exemplo,
existe mais uma modalidade de contrapartida, que ainda está
em teste. Em troca da bolsa, os estudantes são treinados
para prestar serviço de atendimento nos hospitais,
acolhendo e encaminhando os pacientes. Quem já teve
o "privilégio" de ir a um hospital público
sabe como é tumultuado o atendimento.
Para tornar-se um modelo, o projeto
ainda tem muito a ser aperfeiçoado. Talvez o menor
dos problemas seja o financeiro. Não é fácil
capacitar os jovens, nem sempre as escolas estão preparadas
para recebê-los e nem sempre a comunidade está
disposta a se envolver. Discutível é também
o fato de que muitas faculdades que recebem dinheiro pela
bolsa são ruins e acabam usufruindo de recursos públicos.
Apesar dos naturais problemas de algo que se inicia, esse
modelo de inclusão social é, até mesmo,
uma alternativa para o ensino superior público. Os
leitores desta coluna sabem que, há tempos, tenho apontado
a injustiça da gratuidade universitária para
alunos de classe média e alta. A cobrança de
mensalidade é uma entre tantas alternativas de arrecadação
de recursos.
É, naturalmente, difícil
cobrar as mensalidades. Uma saída intermediária
seria exigir a contrapartida em serviços comunitários,
o que ampliaria os programas de extensão na universidade.
Imagine quantas centenas de milhares de estudantes serviriam
em creches, asilos, favelas, hospitais, escolas, cooperativas,
museus, parques, centros de saúde.
Poucos debates são mais reveladores da verdadeira agenda
nacional -essa que é feita nas ruas, e não nos
gabinetes- do que as alternativas de acesso dos mais pobres
ao ensino superior. A contemporaneidade aqui está na
combinação do acesso mais democrático
à universidade com a criação de mecanismos
institucionais que possibilitam aos indivíduos o exercício
de ações públicas capazes de tornar cada
um responsável não só pelo seu destino
mas também pelo de sua comunidade. Essa é, sem
dúvida, uma resposta ao narcisismo coletivo e à
sua reverência exacerbada ao individualismo.
Quem sai mais beneficiado dessa experiência
é o estudante. Afinal, já se sabe que estudantes
que se envolvem em desafios têm mais propensão
a desenvolver habilidades profissionais -e o que as empresas
querem hoje são pessoas capazes de lidar com problemas
concretos.
PS - Muitas vezes, o principal custo da corrupção
não é o financeiro, mas a energia que drena
dos homens públicos, que, quando poderiam estar discutindo
temas essenciais, são engolfados pelas questões
éticas e morais. O que estamos presenciando é
mais um exemplo dessa crônica dispersão. O caso
Waldomiro Diniz abateu o governo e, a considerar as denúncias
que se avolumam, vai abatê-lo ainda mais. O ministro
da Educação, Tarso Genro, por exemplo, está
neste momento mais preocupado em se defender das acusações
(sem provas, diga-se) de que estaria envolvido em arrecadações
de fundos clandestinas durante as eleições do
que em implementar medidas que melhorem a universidade.
Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo,
na editoria Cotidiano.
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