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O cineasta Ugo Giorgetti realizou, há dez anos,
um filme de ficção intitulado "Sábado"
em que sintetizava o caos paulistano num edifício decadente.
As lembranças dos tempos gloriosos do prédio,
ainda fixadas em fragmentos decorativos, mesclam-se na diversidade
dos novos inquilinos sem resquícios do glamour do passado.
São seres marginalizados e solitários, sempre
à espera de um improvável elevador. Desde a
semana passada, o cineasta vive a ficção às
avessas.
Ele começou a rodar um documentário
sobre o prédio que simboliza a decadência paulistana,
mas está em via de se converter em uma experiência
inusitada de recuperação urbana. É exatamente
o inverso do roteiro de "Sábado". Giorgetti
instalou-se no São Vito, no Pari -um cenário
fétido, com seus 26 andares, apenas um elevador, 600
apartamentos, quase todos kitchenettes, onde se misturam trabalhadores,
donas-de-casa, aposentados, travestis, prostitutas, traficantes,
desempregados, drogados, todos prestes a serem desalojados
por causa da reforma.
A idéia é registrar
o começo, o meio e o fim da obra, com a volta de alguns
dos antigos moradores do São Vito. O projeto arquitetônico,
de Roberto Loeb -criador da Oficina Boracea, da sede do Unibanco,
da sede da Natura e da Casa de Cultura de Israel, entre outros-,
é ambicioso. "Vamos fazer uma vila vertical",
diz Loeb.
O São Vito teria o aconchego
de uma vila. Além da construção de apartamentos
maiores -cada andar terá personalidade própria-,
está planejada a criação de uma creche
no 26º andar e de um restaurante-escola comunitário
no térreo. Essa escola vai formar mão-de-obra
qualificada para trabalhar com culinária, aproveitando-se
da proximidade do Mercado Municipal, em via de se tornar um
centro gastronômico. O que é hoje o tumultuado
estacionamento do prédio, onde se amontoam ônibus
que deixam compradores na 25 de Março, deverá
ser uma praça que se estenderá, sem interrupção,
até o parque Dom Pedro, passando pelo Museu da Cidade,
ex-sede da prefeitura. O São Vito passaria, portanto,
a ficar dentro de um parque.
O final desse filme pode ter ou não
um desfecho feliz. Depois da reforma, se conseguir financiamento
para recomprar um apartamento no São Vito, o atual
morador vai viver num dos bons lugares da cidade. Se não
conseguir, o que é mais provável, terá
de se conformar com outro espaço decadente.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S. Paulo, na editoria
Cotidiano.
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