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A cerejeira tem um significado especial para os japoneses,
simbolizando uma mescla de fertilidade e felicidade. Reverenciada
em bucólicas cerimônias religiosas, a árvore
se presta como celebração à vida, mas,
em São Paulo, virou tragicamente símbolo de
destruição.
Para celebrar a cidade, a comunidade
japonesa plantou, no ano passado, um bosque com mil cerejeiras
em um terreno abandonado em Pirituba, um bairro da zona norte
marcado pela violência. Cada muda era acompanhada, como
manda o ritual, com o nome de uma pessoa viva. O bosque seria
a primeira ação para transformar aquele terreno
de 300 mil metros quadrados em um parque.
Um grupo de jovens sentiu-se desrespeitado
pelas cerejeiras -por não ter sido consultado pela
prefeitura. O resultado da "ofensa" foi revelado
neste mês: o bosque foi inteiramente destruído,
todas as árvores arrancadas. "Foi um choque",
lamenta Simone Malandrino, diretora do Departamento de Parques
e Áreas Verdes (Depave) da prefeitura. Em uma das mudas
estava o nome dela. "Senti um pouco como se também
tivessem me atacado."
O atentado serviu, portanto, para
que a Prefeitura de São Paulo entendesse o código
local, percebendo o jogo de poder. Vários grupos de
jovens se sentem donos do terreno, a tal ponto que, com os
previsíveis argumentos, nunca deixaram ele ser invadido
por moradores de rua. Podem brigar pelo bairro, mas eles defendem
a área comum na qual jogam bola.
Os grupos decidiram preservar o terreno
para que fosse construído, no futuro, um campo de futebol.
E com arquibancada.
Durante as negociações
com o poder público, uma das facções,
no entanto, não foi consultada sobre as cerejeiras
e, para não demonstrar fraqueza, acabou com o bosque.
Captada a mensagem, a diretora do
Depave voltou a fazer uma rodada de negociações
para costurar o pacto das cerejeiras. Comprometeu-se a construir
a arquibancada. Todos, então, concordaram. Até
o final deste ano, o parque Pinheirinho D'Água -um
oásis verde- deve ser inaugurado em Pirituba. E com
o bosque, a ser reverenciado em festas periódicas pela
comunidade japonesa. Pelo jeito, o simbolismo das cerejeiras
surtiu efeito: venceu a fertilidade.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S. Paulo, na editoria
Cotidiano.
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