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Movida pelo espírito das
resoluções de vida saudável típicas
das festas de dezembro, a atriz e dançarina Flávia
Mariotto, de 42 anos, comprou uma bicicleta para ir de casa
ao trabalho. Mas, para ela, 2004 começou com uma má
notícia. As obras da Rebouças no cruzamento
com a Brigadeiro Faria Lima, iniciadas nesta semana, fizeram
desse inofensivo projeto um esporte radical.
Como mora em Moema e trabalha na Sampaio
Vidal, pacata rua do Jardim Paulistano, Flávia poderia
fazer uma trilha por ruas sossegadas e arborizadas, passando
por praças bem-cuidadas, resquícios do desenho
de cidades-jardins trazido pelos ingleses no século
passado.
Além de queimar eventuais excessos
de calorias, a bicicleta combinaria com o cenário de
trabalho de Flávia -é uma das donas da Mercearia
do Conde, restaurante com ar provinciano.
O restaurante nem era para ser restaurante.
"Só queríamos ter uma mercearia, dessas
que vemos em cidades de interior vendendo tudo", lembra
Flávia. Mas as pessoas começaram a comer sanduíches
no balcão. Depois vieram as tortas e as saladas. Para
evitar tanta aglomeração, improvisaram-se algumas
mesas. Com o tempo, saíram os alimentos e foram penduradas
centenas de peças de artesanato brasileiro, fragmento
estético do clima de mercearia.
A própria Sampaio Vidal, com
pequenos sobrados sem muros, lembra uma paisagem interiorana,
apesar de estar no coração do Jardim Paulistano,
prensada entre a Rebouças, a Faria Lima e a Gabriel
Monteiro da Silva. "Estou com medo de que esse sonho
esteja ameaçado", lamenta.
Com as obras na Rebouças, parte
do trânsito começou, no domingo, a ser desviado
para a Sampaio Vidal -onde, aliás, mora Eduardo Suplicy,
ex-marido da prefeita-, trazendo barulho e agitação.
"Dizem que a obra vai durar um ano. Mas quem pode garantir?",
pergunta Flávia, sem saber como reagirá sua
clientela, uma tribo variada que compreende de chefes de família
acompanhados de mulher e filhos, passando por adolescentes,
a artistas e descolados.
Sabe-se que resoluções
de final de ano começam geralmente vigorosas em dezembro
e perdem força em janeiro até virarem lembrança
nas próximas festas. Parece ser o destino das prometidas
pedaladas de Flávia, mas, desta vez, com um bom motivo.
A pacata rua a que ela chegaria montada em sua silenciosa
bicicleta virou mais uma rua tragicamente típica de
São Paulo, onde os carros é que mandam.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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