|
Caros leitores , desculpem-me pelo narcisismo. Mas hoje,
para falar de São Paulo, o personagem escolhido sou
eu mesmo. Pelo menos, estou protegido do ridículo exibicionista
graças à clandestinidade de quem se vê
obrigado a publicar qualquer coisa no último dia inútil
do ano, quando todos os leitores conseguem fazer muitas coisas,
menos ser leitores.
A escolha do personagem não
é tão gratuita assim -talvez pudesse até
dizer que o personagem não sou eu, mas Nova York, onde
estou neste momento. Nesta mesma data, há seis anos,
estava metido no inverno nova-iorquino, de céu azul
e ensolarado, preparando-me para voltar a São Paulo,
o que era, na opinião de muitos de meus amigos e colegas,
sair do paraíso para o inferno.
Nesse caminho de volta, começou
a nascer esta coluna, "Urbanidade". Nasceu parida
pela lição que aprendi caminhando pelas ruas
de Manhattan: a riqueza de uma cidade não está
nas belezas naturais, mas na quantidade de pessoas interessantes
fazendo coisas interessantes, compondo paisagens de incessantes
inovações. Essa foi a energia que me fez virar
um aprendiz de Nova York e, depois, um aprendiz de São
Paulo.
Quem estiver aberto para a cidade
que, no mês que se inicia amanhã, comemora 450
anos não vai ver apenas o trânsito, as enchentes,
a violência, a poluição, enfim, o inferno
urbano -vai ver e sentir a energia criadora e instigante das
pessoas. Esse olhar nos permite descobrir as ilhas no inferno,
com suas redes de solidariedade e de gentileza, respostas
à nossa sensação de abandono e solidão.
Desde que comecei a escrever esta
coluna, tempos depois da minha chegada a São Paulo,
não me faltaram personagens interessantes, muitos dos
quais anônimos, sem título, que, no entanto,
estavam fazendo coisas interessantes, coisas aparentemente
ínfimas, mas gigantes em significado. Quanto mais anônimo
o personagem, aliás, mais interessante. Esses gestos
gigantes em coisas ínfimas, espalhados anonimamente
pela cidade, formam uma massa energética, criativa.
Por isso passei a acreditar que São Paulo vai conseguir
se transformar num espaço mais acolhedor.
Até porque só existem
dois caminhos: ou a cidade expulsa os paulistanos, ou os paulistanos
mudam a cidade. Nessas horas, prefiro confiar em Einstein,
para quem é melhor errar sendo otimista do que acertar
sendo pessimista.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
|