A expectativa de vida do homem brasileiro
é de 67 anos; a da mulher é de 75 anos. Essa
diferença de oito anos explica-se não apenas
pela genética -as mulheres tendem a viver mais do que
os homens- mas também pela mais inquietante estatística
nacional: como informou o IBGE na quarta-feira, a violência
não pára de aumentar. E, segundo os números
divulgados, de cada dez mortes de rapazes entre 15 e 24 anos,
sete são provocadas por atos de violência.
A pesquisa revela ainda que essa tendência
está afetando cada vez mais as mulheres. "Há
uma epidemia de violência no país", afirmou
Celso Simões, demógrafo do IBGE.
É simplesmente inacreditável
que, mesmo crescendo o número de adolescentes grávidas,
como também mostrou a última pesquisa do IBGE,
não se ouça falar em um esforço nacional
de planejamento familiar. E mais: que pouco se faça
para aumentar o número de crianças nas creches
e na pré-escola.
No dia seguinte ao da divulgação
das estatísticas sobre mortes violentas no Brasil,
uma pequena prova de nosso grau de vulnerabilidade apareceu
em uma frase, que passou despercebida, de um secretário
de Segurança.
Numa entrevista coletiva, o
secretário da Segurança Pública de São
Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, lavou as mãos publicamente,
ao dizer que o poder de polícia chegou ao "limite".
"A polícia está chegando ao limite da repressão.
O que é repressão? É prisão. Temos
124 mil presos em São Paulo. Já não existe
mais lugar para colocar os presos."
Vivemos o paradoxo, incômodo
de ser reconhecido, de que, no regime democrático,
se tem produzido muito mais violência do que nos tempos
da ditadura - o que revela, no mínimo, uma incompetência
coletiva de promover a inclusão social.
Diferentemente do que disse
o presidente Lula na semana passada, talvez influenciado pela
amena ótica palaciana, jamais sairemos da era das incertezas
com esse grau de insegurança nas ruas -de nada adiantam
certezas econômicas enquanto reina a incerteza sobre
o que pode acontecer nas ruas.
Se o Estado mais rico do país
não sabe onde colocar os presos e se o seu secretário
da Segurança acredita que a polícia tenha chegado
a seu limite, imagine o resto.
Mais um ano se encerra e podemos dizer, sem exagero, que o
país não levou a sério a questão
da violência. Pode-se argumentar que faltam recursos,
que a crise econômica provoca limitações
orçamentárias, que a polícia sofre de
carências crônicas, que o nível de desemprego
assumiu proporções gigantescas.
Pode-se argumentar que a exclusão
que germina há séculos no país é
que é a nossa verdadeira herança maldita.
Mas, não bastasse a falta de recursos, existe a falta
de um projeto nacional de combate à violência,
coisa que aparece somente nas intenções de candidatos
em período eleitoral.
Para o grau de selvageria a
que estamos submetidos, funcionaria apenas um esforço
nacional que envolvesse de modo coordenado o presidente, os
governadores e os prefeitos, associados à comunidade.
Isso significa, para começar, estabelecer uma política
de juventude que atue preventivamente nas áreas de
risco. Na falta de um projeto, abre-se espaço para
"mágicas" do tipo diminuição
da maioridade penal.
O problema é que cada
um tem o seu programa, alguns dos quais bastante interessantes.
Mas é onde prevalece a engenharia de parcerias que
se encontram os melhores resultados.
Na semana passada, a Abrinq
promoveu um seminário em que mostrava como prefeitos
das mais diferentes cidades conseguem evitar que jovens, depois
de passarem pela Febem, voltem a delinquir. O sucesso está
na criação de uma teia capaz de envolver a família,
o Estado, empresas e associações comunitárias.
O trágico disso é que os milhares de boas experiências
brasileiras -nem precisamos ir lá fora à procura
de tecnologia social- ensinam que é possível
prevenir, com baixo custo, a violência.
Nunca se falou tanto no país
em responsabilidade social, mas a epidemia faz com que nos
sintamos como se nunca tivéssemos sido tão vítimas
de uma irresponsabilidade coletiva.
Sei que muitas ações
estão ocorrendo: aumenta o número de empresas
preocupadas com questões sociais, cresce o número
de voluntários, avolumam-se experiências valiosas
no setor público, fazendo notáveis avanços.
Mas isso ainda é pouco.
PS - Por falar em irresponsabilidade
coletiva, parte do aumento do número de mortes violentas
se deve ao consumo de álcool, que está presente
tanto nos homicídios como nas brigas. O bombardeio
publicitário de estímulos aos jovens para que
bebam mostra como ainda faltam proteções à
sociedade. Chega a ser covardia que, de um lado, fortunas
sejam gastas para associar bebida a sensualidade, alegria,
força e, de outro, um punhado de gente esteja tentando
explicar, sem recursos, os perigos do álcool. É
como se estivéssemos todos de porre.
Coluna originalmente publicada no
jornal Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
|