|
A educação do futuro
foi apresentada involuntariamente, na terça-feira,
em um inusitado cenário: um hospital. Ali se diagnosticou
que a escola como a conhecemos, do ensino básico ao
superior, está morrendo.
O Hospital Sírio-Libanês,
em São Paulo, inaugurou, na semana passada, um instituto
de pesquisas, destinado, entre outras coisas, a oferecer cursos
de mestrado e doutorado. A idéia é compartilhar
todo o seu conhecimento de ponta, nutrido por alguns dos melhores
médicos do país, com o acesso ao que há
de mais sofisticado tecnologicamente.
Essa mesma trilha já vinha
sendo seguida pelo Hospital Albert Einstein e pela Beneficência
Portuguesa.
O que, afinal, têm a ver esses
projetos em hospitais com a morte da escola? Tudo.
Os médicos Salomon Benebou,
da Beneficência Portuguesa, e Roberto Padilha, do Sírio-Libanês,
responsáveis pelos respectivos institutos de pesquisa,
apostam na seguinte tendência: a sala de aula está
saindo das escolas. Traduzindo: cada vez mais, ensino e pesquisa
também serão realizados em centros de excelência.
A aposta está certa. Quem se
dispuser a assegurar o rótulo de excelência em
qualquer atividade terá de produzir conhecimento, o
que implica investimento em pesquisa. Entidades que não
dependem de verbas públicas e conseguem se financiar
são mais ágeis e não têm as tantas
amarras burocráticas do setor público.
O mais importante é o seguinte: gera-se tanta inovação
e em tão pouco tempo que o sistema de ensino tradicional
já não consegue administrar tanta informação.
O resultado é que a sociedade se "escolariza".
A tendência em hospitais privados de referência
começa a entusiasmar empresas de ponta, que desenvolvem
as chamadas universidades corporativas. Algumas delas já
começam a se preparar para abrir-se, oferecendo cursos
a pessoas de fora. Imagine quantos candidatos correriam atrás
de vagas se as mais renomadas empresas oferecessem cursos
de nível superior, com a devida carga horária,
ministrados por seus melhores profissionais. Bancos já
planejam fazer ofertas desse tipo no próximo ano.
Suponha-se que Nizan Guanaes (África),
Washington Olivetto (W/Brasil) e Júlio Ribeiro (Talent)
resolvessem montar, em conjunto com seus melhores profissionais,
cursos nas respectivas agências de publicidade, compartilhando
o que aprenderam -e eles próprios se dispusessem a
dar pelo menos uma aula por mês. Alguém tem dúvida
de que seria uma febre entre alunos de propaganda e marketing?
Um sinal é colhido aqui mesmo
na Folha. Por semestre, abrimos dez vagas para um curso prático
de jornalismo, que põe jovens recém-formados
em contato com profissionais. Para cada turma, apresentam-se
2.000 candidatos.
Por que, então, a escola, como
a conhecemos, está morrendo? É simples. O ensino
eficaz será cada vez mais baseado em observação
e experimentação: o aluno será o protagonista
e o professor será um administrador de curiosidades.
Mas não é só isso.
A escola eficiente será aquela
que, além de trabalhar o máximo possível
com a experimentação e trazer o currículo
para o cotidiano, terá de tirar proveito do que chamo
de escolarização da sociedade. Ou seja, fará
parcerias permanentes, formando percursos educativos integrados
ao currículo, para que parte das aulas seja dada nos
museus, nos teatros, nos hospitais, nas empresas, nos laboratórios,
nos centros de pesquisa, nas praças públicas,
nos concertos, nas exposições. Sem contar, o
que é óbvio, que boa parte do conteúdo
informativo já estará à disposição
na internet.
Isso que estou dizendo não
é profecia. Em muitos lugares, em diferentes graus,
esse processo já está em andamento. Quando morava
em Nova York, vi o êxito de projetos que mesclam a comunidade
com a escola -o que também vi na Índia e na
Bahia. Desde que voltei para o Brasil, em 1998, tenho testemunhado,
em São Paulo, a construção da experiência
do bairro-escola, realizada por educadores.
Sinteticamente, busca-se transformar o bairro numa escola.
Utilizam-se praças, estações de rádio,
restaurantes, becos, oficinas de vela, danceterias, quadras
de esporte, cinemas, bufês e oficinas de brinquedos
como extensões permanentes da escola. Apesar de sete
anos ainda serem pouco tempo para uma avaliação
científica desse tipo de experiência, dá
para ver a olho nu o progresso dos estudantes.
Suspeito até que talvez já
tenha passado o tempo do projeto de escola em tempo integral,
que nunca atingimos - talvez seja o tempo de articular comunidade
e educação, fazendo da cidade uma escola.
Ainda vai demorar um punhado de anos para as pessoas comuns
perceberem a morte da escola como está aí -e
muito mais ainda para surgirem novos padrões de ensino-,
mas é apenas uma questão de tempo.
PS - O problema, no Brasil,
é que somos desafiados pelo acúmulo de deficiências.
Na mesma semana em que o Hospital Sírio-Libanês
exibia o molde da educação do futuro, o IBGE
nos informava sobre o passado -menos de 10% das crianças
de zero a três anos, fase decisiva no desenvolvimento
infantil, estão em creches e pouco mais de 6% dos jovens
estão nas faculdades
Coluna originalmente publicada no
jornal Folha de S. Paulo, aos domingos.
|