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Desde o final da década
de 90, o bairro do Bexiga virou palco dos musicais no Brasil.
Com eles, vieram, de várias partes do país,
anônimos dançarinos, seduzidos pelos holofotes.
A maioria fracassa silenciosamente sem deixar rastros. Outros
sobrevivem -um deles é Helzer de Abreu, 36 anos, cuja
vida serviria para um desses roteiros, tão comuns em
musicais da Broadway, sobre a solitária luta de seres
anônimos, solitários e ousados em busca do reconhecimento.
Aos 20 anos, com o projeto de participar
de musicais, Helzer largou o trabalho de modelo na cidade
de Belo Horizonte, deixou o glamour dos desfiles e se dispôs
a ser faxineiro em restaurantes de Nova York.
Passou quatro anos pelos restaurantes,
em meio a aulas de dança e frustrantes testes, que
envolviam centenas de candidatos de várias partes dos
Estados Unidos e do mundo. Foi chamado, enfim, para integrar
o elenco de "O Violinista no Telhado". Daí
vieram mais propostas para atuar em musicais como "Evita"
e "Chorus Line". Em 1993, decidiu voltar: "A
solidão tornou-se insuportável", diz.
Já não se via mais em
Belo Horizonte, cidade pequena demais para quem viveu em Manhattan,
e decidiu aventurar-se em São Paulo, que não
conhecia. Entre bicos (dava aulas de inglês) e encenações,
aguardou mais quatro anos até voltar a um musical:
resolveram fazer em São Paulo uma temporada de "Rent".
"Era minha chance."
Graças a investimentos internacionais,
a cidade se tornaria um bem-sucedido pólo de produção
de musicais da Broadway no Brasil. Vieram sucessos como "Os
Miseráveis", "A Bela e a Fera" e, agora,
aguarda-se "Chicago", que já atrai para seus
testes romarias de dançarinos.
O modelo de província que,
sozinho e sem dinheiro, virou faxineiro para se tornar dançarino
em Nova York e, de novo sozinho e sem dinheiro, desembarcou
em São Paulo, está fazendo mais uma aposta -e,
mais uma vez, sem dinheiro e sozinho. Escreveu seu próprio
musical e quer dirigi-lo. Chama-se "Ventura" e trata
das armadilhas da sedução. Ainda não
sabe como vai conseguir patrocínio. Normal: não
sabia também como sobreviveria da dança em Nova
York ou São Paulo.
Talvez no prazer desse permanente
suspense é que estejam mesmo as armadilhas (e a graça)
da sedução.
Coluna
originalmente publicada na Folha de S. Paulo,
às quartas-feiras.
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