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Dirigindo seu Fusca branco, Serginho
Groisman deu-se conta, de repente, do tamanho do desastre
que seria para a música popular brasileira caso sofresse
um acidente. Reduziu a velocidade e, inseguro, passou a dirigir
tão devagar que irritou um dos passageiros. "Acelera,
meu filho, assim ninguém aguenta", protestou Cartola,
espremido, no banco de trás, entre Nelson Cavaquinho
e Clementina de Jesus, três dos maiores ícones
do samba, todos mortos.
Serginho levou quase todas as estrelas
da música popular brasileira, muitas delas a bordo
de seu temerário Fusca, para se apresentarem no Colégio
Equipe. De 1971 a 1981, auge da ditadura militar, os shows
se mesclavam a mesas-redondas e a filmes "cults".
"Era um oásis na cidade, amedrontada pela ditadura",
diz Serginho, que dirigia o centro cultural do Equipe, plataforma
que o projetaria à televisão.
Esse "oásis" vai
virar história pelas mãos do próprio
Serginho, decidido a fazer um documentário sobre aqueles
anos transgressores do Equipe, escola criada, no centro de
São Paulo, por uma cooperativa de professores de esquerda.
Não havia espaço culturalmente tão badalado,
guardado na memória dos hoje quarentões, então
descolados na juventude, orgulhosos de participar de uma modalidade
de vanguarda. Por ali, passavam diferentes tribos: marxistas,
guerrilheiros, hippies, alienados, roqueiros. "Trafeguei
por todas essas tribos", diz Serginho, testemunha de
prisões de alunos e professores, o que conferia ao
ambiente o clima heróico da resistência.
A resistência política
era temperada pela sensualidade. As meninas, de sandália
de couro, vestiam-se com roupas folgadas e gritantemente coloridas,
com detalhes floridos, e ajudavam os meninos a explorar praias
quase virgens do sul da Bahia.
A programação cultural do Equipe misturava Caetano,
Gilberto Gil, Cartola, Elba Ramalho, a turma dos Novos Baianos,
Raul Seixas aos adolescentes, que, sem saber, iriam ter futuro,
cantando, encenando, escrevendo, fotografando - muitos dos
Titãs, por exemplo, estudavam no Equipe e ajudavam
a colar na rua os cartazes dos shows.
Sergio está à cata dos
registros fotográficos e filmes para, com os depoimentos,
compor o documentário. "Não guardamos nada",
lamenta. Não sabiam, afinal, que estavam fazendo uma
das boas histórias de São Paulo, quando romanticamente
se imaginava que, sem os militares, viveríamos livres
da violência.
Coluna originalmente publicada
no jornal Folha de S. Paulo, às quartas-feiras.
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