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Maria Madalena Rutschka, quando,
há quatro anos, resolveu trabalhar como motogirl, tinha
pelo menos duas idéias ao escolher a nova profissão
-uma delas inconfessável.
Desempregada, com quase 40 anos, viu
na moto uma fonte de renda para ela, que já estava
deslocada do mercado. Desesperada, encontrou uma saída
para não se matar e para aplacar a dor provocada pela
lembrança do filho, que se afogou num rio durante as
férias. Era apenas uma questão de tempo -Maria
Madalena imaginava- espatifar-se em colisão com algum
automóvel. "Não conseguia suportar a perda
do meu filho, precisava fazer algo tão agitado, elétrico,
que não me deixasse pensar e também me ajudasse
a ir embora com ele."
Foi-se o desespero, ficou o emprego.
Sentiu-se acolhida pela tribo dos motoboys, aprendeu a suportar
a dor da perda do filho, superou a vontade de se matar, fez
da profissão um jeito de viver e, a partir deste mês,
torna-se uma das estrelas da tribo mais visível e ruidosa
da paisagem paulistana.
Maria Madalena é uma das personagens
do documentário "Motoboys, Vida Loca", do
publicitário Caíto Ortiz e do jornalista Giuliano
Cedroni, a ser lançado na próxima semana na
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Durante
um ano, eles acompanharam as aventuras e desventuras de oito
motoboys para entender os códigos daquela tribo. "Queríamos
mostrar o outro lado desses personagens tão demonizados
na cidade", conta Giuliano.
Para Caíto, significou uma
viagem nesses personagens tão próximos, zanzando
perigosamente entre os automóveis, xingados pelos motoristas,
mas tão distantes. "Estamos captando um pedaço
da alma de São Paulo, na sua modernidade e no seu atraso",
diz Caíto.
Além dos personagens,
Caíto e Giuliano saíram atrás das estatísticas
e descobriram estupendas falhas. Ao desmontarem as estatísticas
oficiais, verificando relatórios nos prontos-socorros
e ouvindo médicos, perceberam que Maria Madalena estava
certa quando viu na profissão um jeito, digamos, prático
de se suicidar. Eles puderam constatar que os dados oficiais
estão subestimados: a cada dia, morrem, pelo menos,
três motoqueiros em São Paulo, o que faz da sua
profissão a mais "loca" da cidade.
Coluna originalmente publicada
no jornal Folha de S. Paulo, às quartas-feiras.
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