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Às vésperas de completar
450 anos, São Paulo sintetiza a solidão coletiva
no assassinato do casal de namorados Felipe Silva Caffé
e Liana Friedenbach.
Os corpos juvenis, dilacerados, condensaram
o estado de ânimo de uma cidade que se sente abandonada,
desamparada e indefesa. Entramos no século 21, a chamada
era do conhecimento, vivendo acuados e praticamente escondidos
em cavernas -versões pré-históricas dos
condomínios-, com a suspeita de que, a qualquer momento,
quase ao acaso, pode acontecer alguma tragédia. Coabitam
intimamente a tecnologia de informação mais
sofisticada, que gera redes eletrônicas de diálogo,
com a barbárie da falta de contato.
Na terça-feira à noite,
quando terminou o suspense de dez dias e se revelaram os detalhes
escabrosos do crime, espalhou-se um sentimento de derrota
coletiva. Muitos viram naqueles corpos um pouco de seus irmãos
e filhos. Ou mesmo um pouco de si próprios. Doeu especialmente
o fato de que Felipe e Liana queriam encontrar a paixão,
na paisagem bucólica, protegida -e se perderam da vida.
É como se dissessem que, nesta cidade, sonhar é
perigoso.
Para definir São Paulo em seus
primeiros séculos, quando ainda não se notavam
os sinais da metrópole vigorosa e criativa, o jornalista
Roberto Pompeu de Toledo dá-lhe o título, em
seu livro lançado nesta semana, de "A Capital
da Solidão". Por séculos, a cidade não
passou de um vilarejo quase esquecido, apenas um ponto de
passagem.
Mas São Paulo empanturrou-se
de gente, que vive espremida, mas tão distante. A violência
do convívio diário, provocada pelo medo do próximo,
destroçou o sentido de comunidade. O outro passou a
ser um risco; o espaço público, um campo de
batalha.
O casal de namorados despertou, pelo
medo, uma espessa onda de solidariedade e produziu a sensação
fugaz e acolhedora de coletividade, de humanidade. Todos se
perceberam na mesma trincheira, bombardeados por inimigos
sem farda, sem líderes.
A guerra declarada entre nações
é mais reconfortante pela possibilidade, ainda que
remota, de haver um interlocutor com o qual assinar um tratado
de paz. Não sabemos com quem dialogar. Na tragédia
de Felipe e Liana está a tragédia de uma cidade
de homens e mulheres solitários.
Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo,
às quartas-feiras.
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