Alice Baeta Castanheira, 20 anos,
estudante de administração, descobriu que os
vestibulares para os cursos concorridos, desses que enlouquecem
os alunos mais aplicados, são uma moleza comparados
à seleção para vagas de estágio
ou de trainee nas melhores empresas.
Neste ano, ela enviou cem vezes seu
currículo pela internet para as mais diferentes empresas
e submeteu-se a dez seleções, com provas e entrevistas.
Uma dessas seleções para um banco demorou seis
meses. Alice saiu-se bem nas provas e nas entrevistas. Já
estava comemorando. Faltava-lhe apenas a formalidade de um
exame médico. "Foi um baque", diz.
Um médico disse que sua voz
talvez não conseguisse dar conta do serviço,
já que trabalharia, inicialmente, num setor de telemarketing.
"Acharam que eu ficaria rouca facilmente." Apesar
de abatida pela sensação de morrer na praia,
não desistiu.
Candidatou-se a um estágio
numa empresa naval, que oferecia salário de R$ 500
mensais. Dessa vez, não encontraram nenhum problema
em sua voz. "Sinto que sou uma pessoa de sorte."
De fato, não existe nenhum vestibular no país
que chegue perto dessa relação de 200 candidatos
por vaga.
No banco em que a desclassificaram
pelo exame médico, cerca de mil candidatos concorriam
a um único estágio -dez vezes mais concorrido,
portanto, do que o vestibular mais concorrido.
Neste fim de semana, primeira fase
da Fuvest, 157 mil jovens estarão atormentados por
causa de 8.927 vagas, quase todas para a cobiçada Universidade
de São Paulo. Outros milhares já estão,
pelo Brasil, metidos em vestibulares que lhes tiraram horas
de sono e lhes custaram anos de decoreba -boa parte inútil.
O motivo do esforço é
óbvio: a conquista de um bom emprego. Não é
óbvio, porém, o que Alice aprendeu para se conseguir
o bom emprego: entrar nas melhores faculdades não conduz
ao país das maravilhas. A prova mais difícil
está para vir -a qual a imensa maioria desconhece e
para a qual não foi preparada.
Tão ou mais importante do que
passar pela peneira de uma faculdade é entrar em empresas
capazes de projetar o jovem no mercado de trabalho, enriquecendo-lhe
o currículo. Nas boas empresas, a relação
de mil candidatos por vaga é a regra.
O programa de treinamento desta Folha,
por exemplo, não oferece salário nem assegura
emprego, exigindo quatro meses de envolvimento diário:
as dez vagas por turma são disputadas por 2.000 pretendentes.
O que os alunos não sabem (até
porque as escolas não ensinam) é que, para esses
testes, não adianta decorar mais do que o conhecimento,
avalia-se atitude.
A maioria das pessoas tomba logo nos
exames de conhecimento geral (é necessário ser
leitor habitual de jornais e revistas), de língua portuguesa
ou inglesa. Aí, porém, é bico. Depois,
serão medidos empreendedorismo, criatividade, capacidade
de trabalhar em grupo, equilíbrio emocional, facilidade
de comunicação, habilidade de reciclagem das
informações. Por isso, se valorizam itens que,
até há pouco tempo, seriam tidos com exóticos.
Trabalhos comunitários, por exemplo. Alguns medem até
intuição.
Imagina-se que o marco divisório
da elite brasileira é a entrada nas melhores faculdades.
Não é mais assim.
O diploma, evidentemente, importa.
Mas a principal divisão, a que mostra quem vai pegar
os melhores empregos, são as provas das grandes empresas
(aquelas que mais ensinam), que exigem dos candidatos capacidade
de aliar atitude e conhecimento.
Daí que a lição,
por mais estranha que pareça, é a seguinte:
se o estudante quiser prosperar fora dos muros escolares,
ele deverá esforçar-se, até porque não
há alternativa para entrar nas boas faculdades, mas
estará ameaçado se levar o vestibular muito
a sério -essa lição que as escolas deveriam
ensinar aos estudantes.
Neste momento, os chefes de recursos
humanos têm tanto ou mais a ensinar sobre pedagogia
do que os educadores.
A julgar pela seleção
das empresas, o perfil do bom aluno não é o
daquele que tira as melhores notas nas escolas.Talvez seja
até mesmo o do indisciplinado. As pessoas que não
se submetem muito às regras e questionam são
as mais propensas a experimentar, a inovar, a aventurar -empreender
significa a vontade de arriscar, de fugir às convenções.
PS - Como o tema hoje é empregabilidade,
segue uma dica. Tenho observado e participado de experiências
feitas em escolas envolvendo adolescentes com atividades comunitárias.
O envolvimento continuado, integrado ao currículo,
com projetos comunitários é dos melhores exercícios
para desenvolver simultaneamente senso de responsabilidade,
aprendizado multidisciplinar e empreendedorismo. Trabalha-se
com excesso de problemas e carências de verbas, demandando
criatividade e gosto pela aventura. Não é à
toa que recrutadores de empresas começam a ver na ficha
dos candidatos se eles desenvolvem ações comunitárias.
Coluna
originalmente publicada no jornal
Folha de S.Paulo, aos domingos.
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