Se fôssemos julgar o primeiro
ano do presidente Lula com base em suas promessas de campanha,
a nota seria zero.
O nível de emprego piorou,
as relações de trabalho, com o aumento da informalidade,
ficaram ainda mais precárias e a renda do trabalhador
continuou caindo.
Como Lula se elegeu baseado nas promessas
de mais dinheiro no bolso dos mais pobres -e justamente aí
está o principal indicador-, o primeiro ano de governo
poderia ser tido como um "ano perdido".
Não se viu nenhum programa
inovador de investimentos sociais. Não mudaram, exceto
nas intenções do Bolsa-Família, a fragmentação
e a dispersão dos programas de combate à miséria.
As ações em prol da juventude são tímidas,
ousaria dizer quase inexistentes. Isso significa dizer que
as ações contra a violência são
igualmente frágeis.
O Fome Zero nasceu desnutrido, continua
desnutrido e chegou a ressuscitar práticas antigas,
como a distribuição de leite. Tal improvisação
e falta de consistência fragilizaram a imagem de inovação
social tão associada ao PT.
As metrópoles explodem, mas
o governo não apresentou um plano abrangente de intervenção
urbana apesar de ter criado o Ministério das Cidades.
A ministra Benedita da Silva, justa ou injustamente, notabilizou-se
mais pelas viagens que fez do que pelos benefícios
sociais que distribuiu.
O ministro Cristovam Buarque saiu-se
melhor, até agora, como um formador de opinião
a apontar as mazelas e dificuldades da educação
do que como o responsável pela apresentação
de soluções concretas para superá-las.
Lula começou seu mandato fazendo
estardalhaço com o programa Fome Zero, mas o "zero"
ficou mesmo para o crescimento econômico. Daí
que a nota do governo, visto do palanque, é zero.
Dar nota da perspectiva do palanque
é, porém, injusto.
Se eu tivesse de dar uma nota, faria
uma ponderação entre o que se prometeu, o que
se poderia efetivamente apresentar e o que se impediu que
acontecesse.
Desses três índices,
dou peso maior ao que ele evitou. Até porque nunca
imaginei (nem muito menos escrevi) que qualquer presidente
que assumisse nas condições em que Lula assumiu
pudesse levar o país a ter crescimento alto, baixando
o desemprego e aumentando os salários. Talvez pudesse
ser um pouco melhor, mas nunca muito melhor.
O valor do mandato de Lula até
agora está no fato de que acabamos o ano com a inflação
em baixa, com os juros altos, mas caindo. Manteve-se a estabilidade.
Alguém poderia dizer que Lula foi bem porque ajudou
a manter o que seu antecessor conquistou. É, de certa
forma, verdade.
Se o presidente não conseguisse
rapidamente dissipar os receios de que, uma vez no poder,
faria maluquices, estaríamos agora à beira do
desespero, falando em moratória, rompimento com o FMI,
evasão de divisas, agitações sociais
ou coisas parecidas. Certamente a inflação estaria
devorando ainda mais vorazmente os salários.
Para ganhar credibilidade, o presidente
teve de dar prosseguimento ao que sempre condenou e, além
disso (é esse o ponto alto de seu mandato), bancar
uma reforma previdenciária.
A reforma está longe de satisfazer
a quem (como este colunista) considera absurdo o contribuinte
pagar tanto imposto e receber tão pouco em troca. A
verdade é que não há estímulo
para quem deseja trabalhar e gerar emprego.
Mas não foi pouca coisa o Partido
dos Trabalhadores perceber que seria melhor pisotear seu discurso
passado, irreal e irresponsável do que sacrificar as
perspectivas de futuro. A chance de crescimento do país
depende, entre outras coisas, da redução dos
gastos oficiais.
Para fazer isso, o partido teve de
cortar a própria carne, já que a maioria da
liderança do funcionalismo público estava associada
à história do PT.
Como minha perspectiva não
é a do palanque, mas a da realidade da crise, considero
que Lula, nesse primeiro ano, foi bem e talvez tenha lançado
(apenas lançado) as bases para um crescimento sustentável.
Está bem longe, longíssimo
de dez, mas também não está perto do
zero.
Estou na situação do indivíduo que vai
ao médico com medo de um câncer e, aliviado,
descobre que está com uma pneumonia.
PS - A principal questão política
brasileira se resume no seguinte: mesmo que a economia cresça
no próximo ano, a melhoria do nível de emprego
será suficiente para que o governo mantenha o prestígio
e não se sinta tentado a medidas de palanque?
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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