Uma pesquisa comentada no caderno Sinapse, divulgada
na última terça-feira, mostra que a violência
se combate literalmente no berço.
Em um livro intitulado "Fantasmas
dos Berçários" (ainda não publicado
no Brasil), são analisadas entrevistas com adolescentes
dos Estados Unidos condenados por assassinato. Quase todos
eles foram vítimas, nos primeiros anos de vida, de
algum tipo de violência e negligência.
Ou seja, nem toda vítima de
abuso torna-se um marginal, mas quase todos os marginais,
segundo a pesquisa, carregam um histórico traumático
na infância.
Está nesse tipo de achado
acadêmico a raiz de estudos realizados por economistas
americanos revelando íntima relação entre
criminalidade e aborto. Nos locais em que as mães pobres
conseguem evitar a gravidez, indicam as estatísticas,
o crime é menor.
O raciocínio, em poucas palavras,
é o seguinte: a mãe que não tem condições
de criar um filho, obrigada a sustentá-lo na marra
e a contragosto, termina por danificar-lhe a auto-estima,
jogando-o no risco da marginalidade. Sem contar o óbvio
fato de que faltará a essa criança, além
do acolhimento psicológico, estímulos educacionais,
devido à carência de recursos.
Graças às novas técnicas
de tomografia, sabe-se mais: a negligência provoca danos
neurológicos, impedindo o desenvolvimento cerebral
da criança, com resquícios pelo resto da vida.
É rigorosamente espantoso que
esses dados científicos, divulgados há pelo
menos dez anos, ainda não tenham entrado na agenda
política brasileira. Prova disso é que o tema
creche e pré-escola -vale dizer, a educação
infantil- não faça parte das prioridades nacionais.
Em um país obcecado pelo combate
à miséria, os candidatos a prefeito deveriam
exibir, em detalhes, quanto e como pretendem melhorar a educação
infantil. O que, é óbvio, aqui é raridade.
Temos uma combinação
explosiva. As mães mais pobres continuam tendo muitos
filhos, pela simples razão de que não existe
planejamento familiar no país. Alguém já
viu um presidente da República falar com seriedade
sobre esse assunto? Por isso, não viu, muito menos,
um programa sério para evitar gravidez indesejada.
Além do excesso de crianças
em famílias pobres, há escassez de matrículas
na rede de educação infantil. Vamos aos números:
apenas 10% das crianças na faixa de zero a três
anos freqüentam creches. Não é só:
o que existe para os mais pobres é, muitas vezes, de
péssima qualidade, com profissionais despreparados.
A creche teria o papel de contrabalançar
a ausência de estímulos da família, na
qual, com freqüência, pai e mãe trabalham.
Isso quando existe pai.
Educadores, psicólogos e assistentes
sociais vêm tentando, quase desesperadamente, chamar
a atenção dos políticos para a importância
do investimento em educação infantil. Alertam
para os danos provocados no aprendizado de uma criança
relegada, sem ambientes estimulantes.
Nenhum investimento (vamos repetir,
nenhum) é mais relevante para combater a miséria
-e, ao mesmo tempo, auxiliar no progresso escolar- do que
o apoio à educação infantil.
Se tivéssemos todas as crianças
de zero e seis anos matriculadas, com bolsas-escola para as
mães, seria alcançado o sonho da fome zero.
É caro, evidentemente. E, claro, também demora.
Mas depende tanto do dinheiro quanto da maneira como o Brasil
se imagina no futuro.
O problema é que somos vítimas
da ignorância. E, como afirma o ditado: se você
acha que educação sai caro, calcule quanto custa
a ignorância.
PS - Como estamos entrando na sucessão
municipal, segue aqui um dos critérios para a escolha
de um candidato sério. Ele precisa dizer quanto vai
gastar para melhorar a educação infantil, informando
o número de creches a serem reformadas ou construídas,
além dos programas de formação profissional.
Já existem no país várias experiências
de baixo custo e alta eficiência, algumas delas reconhecidas
internacionalmente. É o caso de Caraguatatuba, litoral
de São Paulo, onde se desenvolveram atitudes inovadoras,
com resultados já medidos. Se o candidato não
souber como pretende mudar a educação infantil,
melhor mudar de candidato.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S. Paulo, na editoria
Cotidiano.
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