Um exemplo da ignorância
do brasileiro foi divulgado na semana passada e dá
ensejo a uma aula de educação a partir de um
caso de corrupção.
Há mais de duas semanas, quase
não se fala de outra coisa na mídia que não
seja o caso Waldomiro Diniz. É rigorosamente impossível
abrir um jornal ou uma revista, ligar o rádio ou a
televisão, ou mesmo acessar a internet sem esbarrar
nas denúncias de falcatruas que envolvem o governo
Lula.
Pesquisa Datafolha, publicada na quarta-feira,
informou que, apesar de todo esse estardalhaço, apenas
21% dos brasileiros sabem quem é Waldomiro Diniz. Dos
entrevistados, 53% nem sequer tinham ouvido falar do ex-assessor
do ministro José Dirceu.
Essas percentagens indicam extraordinária
semelhança com o nível de educação
do brasileiro -e mostram o tremendo desafio que é a
qualificação do eleitor.
Um dos mais sérios estudos
sobre o analfabetismo funcional -condição em
que se encontra quem não entende o que lê- é
o realizado pelo Instituto Paulo Montenegro em parceria com
a Ação Educativa.
Não é coincidência
o fato de que, segundo o estudo, realizado com base em pesquisas
feitas em todo o país, apenas 25% dos brasileiros com
mais de 15 anos dominam plenamente a leitura e a escrita.
Acrescente-se a isso mais um dado para entender por que tão
poucos demonstram habilidade de ler e entender, condições
primárias da cidadania: 20% dos brasileiros concluíram
o ensino médio -quase a mesma percentagem dos que sabem
quem é Waldomiro. Esse é o seleto clube dos
cidadãos informados.
De acordo com a pesquisa do Instituto
Paulo Montenegro, 8% dos brasileiros não sabem ler,
são os analfabetos totais; 30%, os tais analfabetos
funcionais, lêem, mas não entendem o conteúdo
dos textos, incapazes que são de interpretar algo um
pouco mais complexo do que um bilhete; 37% conseguem identificar
informação numa notícia curta, mas não
vão muito além disso.
Voltemos, agora, ao levantamento do
Datafolha, segundo o qual 53% não ouviram falar de
Waldomiro Diniz. Dos 44% que ouviram, apenas 21% souberam
dizer quem é ele. Tais divisões parecem seguir
as mesmas divisões dos graus de entendimento de leitura,
que variam do total analfabetismo à dificuldade de
compreensão de uma notícia curta.
Se esse grau de desinformação
ocorre em relação a um escândalo tão
explorado pela mídia, imagine o que se dá com
fatos que, embora sejam vitais para o cidadão, recebem
menos destaque.
Acaba sobrando mais espaço
para o pensamento mágico, para a dissociação
entre as relações de causa e efeito, além
da dificuldade de o cidadão entender processos políticos,
sociais e econômicos e associá-los à sua
vida. Quantas pessoas, mesmo entre aquelas do Clube dos 20%
-os informados-, sabem o que têm a ver superávit
primário, FMI ou investimento com suas necessidades
cotidianas -esse foi, entretanto, o tema internacional que
mais mobilizou, na semana passada, o presidente Lula.
Quantos brasileiros sabem que o PT,
ao recusar a abertura de uma CPI, se comporta como o PSDB
e o PFL se comportavam no passado, quando estavam instalados
no poder -e que o PSDB, de José Serra, e o PFL, de
Jorge Bornhausen, agora na oposição, agem como
o PT agia?
Como explicar que Paulo Maluf, depois
de tantas denúncias e de pistas concretas de vultosas
contas secretas no exterior, ainda esteja em primeiro lugar
nas pesquisas de intenção de voto para a Prefeitura
de São Paulo?
Virão agora as eleições
municipais e nós, da mídia, integrantes do clube
dos 21%, vamos ficar reclamando dos candidatos, exigindo racionalidade
e combatendo o pensamento mágico de quem acredita em
ilusões.
Vamos mostrar que o somatório
das promessas excede várias vezes o Orçamento;
vamos mostrar também que um ou outro compromisso não
está na órbita de responsabilidade de um prefeito,
por exemplo.
Vamos falar quase exclusivamente para
o Clube dos 20%, apresentando números, estatísticas,
enquanto a maioria vai se encantar com os delírios
embalados pelo marketing. Isso pela simples e óbvia
razão de que, com baixa escolaridade, a democracia
será sempre uma simulação de representatividade.
PS - Começaram a chegar,
na semana passada, documentos que vão mostrar, pelo
menos para o Clube dos 20%, como se gasta mal o dinheiro social
no Brasil. Estão unificando o cadastro de beneficiários
de programas de transferência de renda com base em dados
federais, estaduais e municipais. Estão descobrindo
em São Paulo, por exemplo, famílias que ganham
mais de R$ 800 mensais apenas com bolsas e vivem próximas
de famílias, igualmente pobres, que ganham muito menos
ou não ganham nada.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S. Paulo, na editoria
Cotidiano.
|